
Por Roberto Cabral Borges
Biólogo, mestre em Ecologia e Analista e Agente Ambiental do Ibama
nalinhadefrente@faunanews.com.br
O tráfico de animais silvestres no Brasil é uma atividade criminosa que degrada a biodiversidade e submete, anualmente, milhares de animais silvestres à crueldade. O tráfico não atinge apenas os animais capturados. Seus filhotes morrerão quando os pais não retornarem a ninho para lhes alimentar e os próprios animais capturados poderão não sobreviver às agruras do transporte e da manutenção até que cheguem ao consumidor final.
Mesmo aqueles que sobreviverem, ainda poderão ser submetidos a condições cruéis, às vezes não pela intenção, mas pela ignorância de quem os comprou. Papagaios são acorrentados pelas patas, vários têm suas asas cortadas e são alimentados com girassol ou café com leite; pássaros acabam criados presos em gaiolas onde não conseguem bater as asas e jabutis são alimentados apenas à base de alface. Esses são alguns dos exemplos de manutenção inadequada dos animais silvestres.
Os que sobrevivem à captura e ao transporte possuem as grades como seu futuro. Sua liberdade foi roubada. A esperança desses animais é que os traficantes sejam flagrados ou, ainda, que a população denuncie e eles sejam resgatados. Após a apreensão pelas autoridades, se o animal não for solto na natureza, ele apenas trocará o cativeiro ilegal pelo registrado. Para ele, todavia, a prisão continua sendo prisão.
A Lei nº 9.605/98 parece ter tido essa percepção de justiça ao animal e também a preocupação com a possibilidade de que eles voltem a exercer sua função ecológica. Assim, em seu artigo 25 determina-se que os animais serão prioritariamente liberados em seu habitat.
A liberação em seu habitat dentro da área de ocorrência natural da espécie é chamada reintrodução que se contrapõe à liberação fora da área de ocorrência natural da espécie, chamada introdução. A reintrodução pode ser classificada como revigoramento ou reestabelecimento. Revigoramento é quando a soltura ocorre em uma área onde ainda existam indivíduos da espécie e reestabelecimento é quando a reintrodução for em local onde a espécie foi localmente extinta.
Assim, a soltura de pítons na Flórida constitui um caso de introdução. Já a solturas de jacarés-do-pantanal no Pantanal ou de lobos-guarás no cerrado em Brasília são reintroduções. Em ambos os casos ocorre revigoramento, pois ainda existem jacarés no pantanal e outros lobos em Brasília. A soltura de uma ararinha-azul na sua área de ocupação original seria um caso de reintrodução classificado como reestabelecimento, pois a espécie foi extinta na natureza.
Alguns biólogos consideram que o termo reintrodução deveria apenas ser usado para a liberação em uma área onde a espécie foi localmente extinta e que revigoramento seria para aquelas áreas onde a espécie ainda ocorra. Entendemos que considerar o termo reintrodução para soltura dentro da área de ocorrência e subdividi-lo em reestabelecimento e revigoramento é muito mais didático e adequado. Desta forma, existe um termo único que é reintrodução, que se contrapõe ao conceito de introdução.
Além de saber onde soltar os animais, também é necessário haver cautela em sua liberação. Eles devem ser avaliados previamente, sendo que alguns animais dependem de solturas suaves (soft releases) enquanto outros podem ser soltos de forma abrupta (hard releases). O padrão do tráfico, por exemplo, é que passarinhos sejam capturados adultos e papagaios e araras são capturados ainda filhotes. Portanto, a soltura de passarinhos demandará menos preparação que a soltura dos psitacídeos.
De qualquer forma, a soltura objetiva possibilitar que aqueles indivíduos retomem sua função ecológica e, também, que recebam a justiça da liberdade que nunca lhes deveria ter sido roubada. Porque quem ama pássaros compra binóculos, não gaiolas.