Por Davi de Souza Silva
Major da PM Ambiental de São Paulo. Graduado em Ciências Policiais e em Direito, mestre em Ciências Policiais e de Segurança Pública
nalinhadefrente@faunanews.com.br
A palmeira-juçara é nativa da mata atlântica e necessita de oito a dez anos para produzir frutos e, consequentemente, as sementes para perpetuar a espécie.
“A preservação da juçara está diretamente ligada à manutenção da biodiversidade da Mata Atlântica. Sua semente e seu fruto servem de alimento para mais de 68 espécies, entre aves e mamíferos. Tucanos, jacutingas, jacus, sabiás e arapongas são os principais responsáveis pela dispersão das sementes, enquanto cotias, antas, catetos, esquilos e muitos outros animais se beneficiam das suas sementes e frutos.” (fonte: Programa Palmito Legal)
Dessa árvore de oito a dez anos se extrai um vidro de palmito de aproximadamente 500 gramas. Cabe reforçar a afirmação que para termos meio quilo de palmito juçara é preciso quase dez anos de vida da palmeira e, tendo como parâmetro os preços do palmito em conserva, essa assertiva demonstra a dificuldade comercial do cultivo desse tipo de palmeira para a exploração. Isso nos leva à exploração clandestina, predatória, diretamente na mata, de forma criminosa, principalmente na Serra do Mar. Essa exploração inadequada colocou a espécie na lista de vegetação em extinção.
A exploração do palmito impacta a fauna silvestre pois vários desses animais tem na palmeira juçara seu principal alimento. A interrupção desse ciclo gera a busca por outras fontes de alimento e assim temos a migração para outros locais, gerando o efeito “mata vazia”. Ao extrair o palmito de forma irregular, se retira também dessa mata/floresta os animais que dela dependem, quebrando a cadeia alimentar.
Uma forma de a sociedade contribuir com a preservação da biodiversidade é através do consumo consciente, pois a extração irregular só ocorre por conta da falta de preocupação do consumidor com a origem do palmito. O estado de São Paulo vem incentivando o uso da polpa do fruto da palmeira juçara para a fabricação de sovertes, sucos e até na culinária, mas ainda em pequena escala, diferente do que já é feito com a palmeira-açaí. O paladar é similar.
Sobre a questão sanitária da produção clandestina do palmito, faço um alerta para os graves riscos à saúde pública.
Em 2018, até 30 de novembro, no estado de São Paulo foram apreendidos pelo policiamento ambiental 1.808 vidros de palmito em conserva e 12.734 palmitos in natura, sendo elaborado 199 Autos de Infração Ambiental. Essa apreensão representa o corte de mais de 14 mil palmeiras-juçaras, cabendo dizer que esse número não representa o número total de cortes, mas somente o que o foi constatado pela ação repressiva do policiamento ambiental a essa prática ilegal (fonte: Divisão Operacional do Policiamento Ambiental de SP).
Pela experiência de mais de 20 anos trabalhando na fiscalização, posso afirmar que “o crime compensa”, pois as ferramentas disponíveis para os agentes do Estado, em que pese o grande esforço operacional no combate a essa modalidade de delito, ainda não são suficientes para inibir e/ou desestimular essa prática que causa tanto dano ao meio ambiente. É necessária a participação da sociedade através do consumo consciente do palmito juçara, procurando sempre saber a origem do produto.
A biodiversidade agradece. Há a necessidade da massificação da informação com a finalidade de mudar comportamento.
O corte, o processamento, o armazenamento e a venda de palmito clandestino são previstos na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que:
“Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
(…) Art. 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente.”
Ou seja, o crime é considerado de “menor potencial ofensivo” e o infrator o responderá em liberdade com a possibilidade de haver transação penal (acordo com o Ministério Público em que se paga por algo ou alguma quantia para não haver processo judicial).