
Por Daniela de Almeida
Veterinária e agente da Polícia Federal da Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico do Rio de Janeiro
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Estima-se que no planeta existam, além da espécie humana, em torno de oito milhões de outras espécies habitando céu, mares, rios e terra. Porém, vivemos como se só existisse uma única e importante espécie na Terra: a Homo sapiens.
Toda sociedade está estruturada e tem o ser humano como o centro de relevância. Na prática, como podemos ver essa situação? Na legislação, por exemplo, para os crimes em que o homem não é a vítima, as penas são de menor potencial ofensivo (vide a Lei de Crimes Ambientais). Vale destacar também que animais não humanos, apesar de serem considerados seres sencientes, são “coisas” para o judiciário, ou seja, todos sabem que eles sentem dor, fome, frio, todas as sensações e sentimentos que humanos também possuem, mas ainda sim são tratados como objetos.
Assim sendo, o combate aos crimes ambientais e aos maus-tratos à fauna também são considerados de menor importância. Desastres em que morrem apenas animais nem viram notícia. E quantos voluntários em prol dos animais já não ouviram a famosa frase: “Mas com tanta criancinha passando fome, vai ajudar um animal?” Argumento tipicamente antropocêntrico que, geralmente, vem de pessoas que nem os seres humanos ajudam.
Esse é um grande problema do antropocentrismo, pois não fica apenas no campo filosófico e teórico, já que na prática, o que vemos, são a devastação e a destruição ambiental grotescas, diárias e escancaradas. A cegueira é tão intensa que ninguém se esforça para mudar os próprios hábitos.
As alterações pela presença humana já estão causando aceleramento do aquecimento global, derretimento de geleiras, poluição, falta de água, extinção de milhares de espécies da fauna e flora, enfim, provocando um desequilíbrio ecológico tão intenso que, em breve, se tornará irreversível!
Aliás, ninguém relaciona que diversas doenças respiratórias poderiam ser evitadas se o ar fosse mais limpo; que muitos problemas intestinais foram provocados por água contaminada; que o calor, que tantos reclamam, vem do aquecimento global provocado pelo próprio homem; e que os agrotóxicos poderiam ser evitados se a cadeia ecológica fosse respeitada. De forma indireta, o desequilíbrio ambiental aumenta os gastos do governo com a saúde, diminui a qualidade de vida, dissemina o estresse e encarece a vida humana.
O último acontecimento que gerou comoção social muito grande foi o rompimento da barragem da Vale na cidade de Brumadinho (MG). Nesse caso, posso citar situações em que o antropocentrismo fica bem nítido em nossa sociedade: a maioria dos veículos de comunicação divulgou apenas as mortes humanas. Inclusive o presidente da Vale disse em uma entrevista: “Desta vez é uma tragédia humana”, como se a morte de milhares de animais não tivesse importância. Aliás, foi necessária uma decisão judicial para que a empresa fosse obrigada a salvá-los, numa situação impossível de ser imaginada se fossem pessoas em perigo.
Provavelmente, se tivessem dado a devida importância ao primeiro rompimento ocorrido com a Samarco, há três anos, esta situação caótica poderia ter sido evitada. Infelizmente, foram necessárias as mortes de mais de 300 pessoas de forma direta para que providências fossem cobradas. Até arrisco afirmar que se "só" tivesse havido mortes de indivíduos de espécies não humanas, teríamos somente mais um crime de menor potencial ofensivo como tantos outros.
Enfim, falta a percepção de que nós fazemos parte de uma cadeia ecológica, não somos seres acima de tudo e de todos e não estamos separados por uma blindagem. Somos talvez uma das espécies mais frágeis que existe. Qualquer mudança ocorrida no meio ambiente nos atinge de forma direta ou indireta. Todos nós precisamos perceber que a base de tudo está em um meio ambiente equilibrado, que desenvolvimento econômico sustentado por mortes de outras espécies é um desenvolvimento frágil e um dia se voltará contra nós.
Antropocentrismo é uma ilusão, a realidade está aí, mostrando o quanto estamos agindo de forma equivocada. É vital mudarmos os nossos hábitos enquanto ainda é possível corrigir nossos erros.