Por Roberto Cabral Borges
Biólogo, mestre em Ecologia e analista e agente ambiental do Ibama
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Dona Culpalina possui um papagaio. Ela sabe que ele é ilegal e agora o Ibama está lá, em frente à sua porta.
– Eles estão te chamando, vovó! Parece que é sobre o loro. Fala sua neta.
Há 16 anos, a dona Culpalina o comprou na feira beira-rio e trouxe o filhote para casa em uma caixa de papelão sobre a couve-flor, as laranjas e a moranga que também comprou no local.
Ela assiste a vários programas de televisão e, em um deles, uma artista da qual é fã estava com um papagaio. Ele era muito bonito. Desejou ter um. Pareceria a artista. Estaria mais próxima dela. Mas viu que um papagaio custava entre R$ 3.000 e R$ 4.000. Um artigo de luxo e inatingível para quem sobrevive com uma pensão e possui muitos gastos com remédios.
Mas, naquele dia, enquanto olhava os tomates e decidia se o preço estava bom ou não, uma pessoa lhe ofereceu o louro. Já tinha visto que eles custavam caro, mas aquele ali estava sendo vendido por apenas R$ 200.
Não que não fosse caro. Custaria basicamente todo o dinheiro da feira e ela ainda teria que conter os gastos do mês. Mas a artista ficava tão bonita com o bichinho, o bichinho do programa era tão bonito.
Agora ela teria um igual. A dúvida durou pouco. Dona Culpalina comprou o papagaio.
Enquanto filhote, ele não voava, mas um dia ela levou um susto. O louro foi parar em cima do telhado. Desde então, ela cortava suas asas. Pronto, agora ele ficava quieto em cima da grade da gaiola. Nem parecia estar preso.
Preso que estava na “gaiola invisível”, sem poder voar. Ele comia pão, café, biscoito, café com leite, girassol. Ele sempre gostou disso.
O Ibama entrou, viu que o animal não tinha anilha nem documentação e a dona. Culpalina foi multada por cativeiro ilegal. Também foi multada por maus tratos. Disseram que café com leite e girassol não eram alimentos saudáveis para toda a vida e por todo do tempo do animal. As asas cortadas também foram consideradas.
– Poxa! Sem as asas cortadas ele voa ou tenho que deixá-lo na gaiola.
Em sua defesa, dona Culpalina alegou que já estava há 15 anos com o animal e que o tratava como um filho. No entanto, seu filho pôde correr e o papagaio não pôde voar. Seu filho pôde namorar e casar e o papagaio não. Seu filho e sua neta não estavam obesos porque não comeram coxinha e batata frita a vida inteira, mas o papagaio estava porque comeu girassol por toda sua vida.
Ainda em sua defesa, na Justiça, dona Culpalina afirmou que desde que o Ibama levou o Loro, ela estava com depressão. Que não poderia viver sem ele.
Na decisão, observou-se sabiamente que o animal estava há 15 anos sendo tratado mal. Que ele não pôde voar, não pôde reproduzir, que foi alimentado de forma errada e foi mutilado. Quanto ao papagaio ser como um filho, foi observado que o filho da dona Culpalina estava casado e morando em outro bairro. O filho humano teve sua liberdade, sua vida e o “filho” papagaio teve apenas o cativeiro.
Dona Culpalina vai se recuperar em breve e aprender que a lei deve ser cumprida. Já a recuperação do papagaio é mais longa… Ele teve sua infância e juventude roubadas e, agora, precisa recuperar a vida em liberdade.
Quanto à depressão, está na decisão: médicos curam depressão, papagaios não!