Por Roberto Cabral Borges
Biólogo, mestre em Ecologia e Coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Observo que várias vezes existe uma confusão em relação ao termo “caçar” exposto no artigo 24 do Decreto nº 6.514 de 2008. O artigo define as práticas ilícitas em relação aos animais silvestres.
"Artigo 24 – Matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Multa de:
I – R$ 500,00 (quinhentos reais) por indivíduo de espécie não constante de listas oficiais de risco ou ameaça de extinção;
II – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por indivíduo de espécie constante de listas oficiais de fauna brasileira ameaçada de extinção, inclusive da Convenção de Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES.
§ 1o As multas serão aplicadas em dobro se a infração for praticada com finalidade de obter vantagem pecuniária." (grifo nosso)
Os comandos legais do artigo 24 se respaldam no disposto, entre outros, no artigo 29 da Lei nº 9.605 de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), que também tipifica a caça como ato ilícito quando não acompanhado da devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.
"Artigo 29 – Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
(…) § 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional." (grifo nosso)
Além do Decreto e da Lei de Crimes Ambientais, também a Lei nº 5.197 de 1967 dispõe sobre a caça:
"Artigo 1º – Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.
§ 1º Se peculiaridades regionais comportarem o exercício da caça, a permissão será estabelecida em ato regulamentador do Poder Público Federal.
§ 2º A utilização, perseguição, caça ou apanha de espécies da fauna silvestre em terras de domínio privado, mesmo quando permitidas na forma do parágrafo anterior, poderão ser igualmente proibidas pelos respectivos proprietários, assumindo estes a responsabilidade de fiscalização de seus domínios. Nestas áreas, para a prática do ato de caça é necessário o consentimento expresso ou tácito dos proprietários, nos termos dos artigos 594, 595, 596, 597 e 598 do Código Civil.
Artigo 2º – É proibido o exercício da caça profissional.
(…) Artigo 10º – A utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de espécimes da fauna silvestre são proibidas.
a) com visgos, atiradeiras, fundas, bodoques, veneno, incêndio ou armadilhas que maltratem a caça;
b) com armas a bala, a menos de três quilômetros de qualquer via térrea ou rodovia pública;
c) com armas de calibre 22 para animais de porte superior ao tapiti (Sylvilagus brasiliensis);
d) com armadilhas, constituídas de armas de fogo;
e) nas zonas urbanas, suburbanas, povoados e nas estâncias hidrominerais e climáticas;
f) nos estabelecimentos oficiais e açudes do domínio público, bem como nos terrenos adjacentes, até a distância de cinco quilômetros;
g) na faixa de quinhentos metros de cada lado do eixo das vias férreas e rodovias públicas;
h) nas áreas destinadas à proteção da fauna, da flora e das belezas naturais;
i) nos jardins zoológicos, nos parques e jardins públicos;
j) fora do período de permissão de caça, mesmo em propriedades privadas;
l) à noite, exceto em casos especiais e no caso de animais nocivos;
m) do interior de veículos de qualquer espécie."
O jurista Fernando Capez (CAPEZ, F. 2006. Curso de Direito Penal – legislação penal especial. Vol. 4 Ed. Saraiva. 770p.) considera a conduta de caçar como perseguir animais a tiro, a laço, a rede, entre outros, para os aprisionar ou matar. A conduta matar significa, segundo o mesmo autor, tirar a vida. O professor de Direito Pedrto Lenza (LENZA, P. 2015. Legislação Penal Especial – esquematizado. Ed. Saraiva. 726p.) compartilha da mesma posição ao definir caçar como perseguir com fim de matar ou colocar em cativeiro, enquanto matar significa abater, sacrificar, fazer morrer. Reforça a questão ao apresentar que, apenas matar, trata-se de crime material consumando-se com a morte do animal sendo as demais modalidades crimes formais.
O crime formal é aquele em que a lei descreve uma ação e um resultado, no entanto, o delito será consumado no momento da prática da ação, independentemente de seu resultado. Desta forma, o objetivo da caça é a captura ou a morte do animal, mas o objetivo não precisa ser alcançado para a consumação do delito. Na caça, caso se alcançasse o objetivo, tem-se a morte do animal e, assim, altera-se a conduta ilícita para matar.
A posição de ambos é compartilhada pelos professores de Direito Luiz Regis Prado (PRADO, L. R. 2011. Direito Penal do Ambiente. 3ª ed. Editora Revista dos Tribunais. 396p.) e Heráclito Antônio Mossin (MOSSIN, H. A. 2015. Crimes Ecológicos – aspectos penais e processuais penais – Lei nº 9.605/98. Ed. Manole. 291p.) e pelo advogado e ex-presidente do Ibama Curt Trennepohl (TRENNEPOHL, C. 2009. Infrações contra o Meio Ambiente – multas, sanções e processo administrativo. 2ª Ed. Editora Fórum. 520p.) ao afirmar o último que o fato de o agente estar portando arma própria para caça, acompanhado de cães de caça, munido de apitos ou outros engodos destinados a atrair a caça ou em posição de espreita em locais de passagem de animais já é punível, independente do sucesso da empreitada. Depreende-se, portanto, que caçar é a atividade e não o seu sucesso. O sucesso da atividade de caça significa a morte do animal, ou seja, matar. Comando também previsto no artigo 24 do Decreto nº 6.514 de 2008 e no artigo 29 da Lei nº 9.605 de 1998.
Desta forma, flagrado o agente em campo com as características de caçador, munido de petrechos para a caçada, ele deverá ser responsabilizado por caçar. Não importa que ele não esteja de posse do animal morto. Se assim o fizesse, responderia por matar ou por transportar. Se nenhum animal foi encontrado, pode-se avaliar que quem caça está à busca de ao menos um animal.
Assim, ao contrário do senso comum, a responsabilização por atos de caça não depende de se encontrar animal morto com o caçador.