Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Pensamos que usufruímos de um imenso status moral e que o valor da vida humana é superior à de outros irmãos de planeta (a conhecida epifania humana). Talvez estejamos convencidos de que apenas nós damos significado ao mundo. Como diz Yuval Noah, em seu livro Homo Deus:
“o homem tenta adquirir caráter divino sobre o próprio substrato biológico”.
Já passou da hora de colocarmos em nossa agenda o papel fundamental do meio ambiente e dos seres vivos que nos acompanham nesta jornada. Talvez esteja na hora de retornarmos no tempo para resgatar aquela maravilhosa visão animista de nossos antepassados. Meu espírito evolucionista me faz lembrar que todos os nossos instintos, emoções e comportamentos racionais evoluíram visando a sobrevivência e a reprodução, nada diferente das outras espécies animais mais próximas evolutivamente. Nos dias de hoje, a espécie Homo sapiens parece ter dúvidas se suas necessidades estão sendo respeitadas e parece que já temos a errônea certeza de que as das outras espécies estão.
A visão equivocada, defendida por Descartes e repetida cansativamente por muitos, inclusive os mais fervorosos representantes de religiões, de que somente a espécie humana teria anseios e que outros animais seriam autônomos e com ausência de racionalidade já está sendo trabalhada e muito questionada. Exemplos mundiais estão se concretizando em postulados elaborados em muitos países desenvolvidos. Várias iniciativas ao longo da história poderiam ser lembradas, mas para sermos mais objetivos, vamos destacar algumas das mais atuais.
Em 2012, a Declaração de Cambridge oficializou que:
“A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos.” (como se o neocortex não estivesse presente nos mamíferos em geral).
Em 2015, a Nova Zelândia, através do Welfare Amendment Act, se tornou o primeiro país a reconhecer os animais não humanos como seres sencientes. O Canadá, em sua província de Quebec, aprovou ato semelhante, seguido pelo País de Gales, no Reino Unido.
O Brasil não fica para trás. Em uma rápida pesquisa, podemos perceber que os animais são tema de 54 projetos na Câmara dos Deputados. O número representa 3,1% dos 1.733 textos apresentados até então. Acha pouco? Pois bem, informo que já evoluímos muito! Temos exemplos de toda natureza: direito civil, tratando da guarda de animais domésticos em caso de separação do casal, passando pela obrigação de prestar socorro a animais atropelados e chegando ao valioso Projeto de Lei 27 de 2018, que acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605 de 1998 (Lei de Crimes Ambientais) para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não humanos, vedando seu tratamento como “coisa” e tendo a oportunidade de obter e gozar de tutela jurisdicional. Lembrando que a mudança desse status levaria a um “efeito cascata” positivo, implicando na aceleração de outros temas relacionados, tais como o aumento da pena para quem comete crime contra esses animais. É absolutamente inadmissível que quem cometa esse tipo de crime contra uma vida seja penalizado com transações penais com caráter alternativo.