Por Daniela de Almeida
Veterinária e agente da Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
O tráfico de animais silvestres é o crime mais usualmente cometido contra a fauna. As primeiras informações de que se tem notícia a respeito desse tipo de atividade são do período de ocupação do território brasileiro pelos portugueses. A fauna brasileira, extremamente rica e diversificada, chamou tanto a atenção dos europeus, que eles, por ganância mercantilista, passaram a comercializar esses animais para o exterior.
Infelizmente, essa prática perdura até hoje, não só alimentada pelos interesses comerciais externos como também e, principalmente, por brasileiros que se acham no direito de tirar a liberdade de um ser para mantê-lo em casa. É o simples capricho de ostentar a posse, justificado pelo que chamam de “amor ao animal”.
Apesar de ser um dos mais antigos crimes ambientais e responsável pela extinção de várias espécies de animais, até hoje esse delito não foi tipificado em lei. Não existe um normativo específico que aborde o tráfico de animais silvestres. A Lei 9.605/98, que trata dos crimes contra o meio ambiente, no artigo 29, destaca que “Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida” determinará uma pena de “detenção de seis meses a um ano, e multa”. Há diploma jurídico a respeito, entre outros, do tráfico de drogas e do tráfico de pessoas, mas, até hoje, o tema do gravíssimo e lamentável tráfico de animais silvestres não sensibilizou os nossos legisladores a ponto de produzirem uma norma para coibir tal prática.
Acontece que a ausência de uma legislação específica faz com que um criminoso que é flagrado com dezenas ou até mesmo com centenas de animais em sua posse, e que ganha a vida com esse comércio ilegal, esteja sujeito à mesma pena que uma pessoa que possui um animal silvestre, também ilegal, em sua residência. Uma punição que, por sinal, está muito aquém do dano causado ao meio ambiente.
O criminoso apenas assinará um termo circunstanciado e voltará para casa no mesmo dia.
Dessa forma, a lei, ao invés de coibir tal conduta, na prática, a estimula por tratar o crime nela previsto como de baixo potencial ofensivo. Além disso, ela não prevê a ilegalidade do tráfico de animais silvestres. Assim, ela acaba servindo apenas de enfeite, sendo usada, demagogicamente, por alguns políticos que se vangloriam de o Brasil já ter uma lei sobre a proteção ambiental, desconsiderando que tal norma não tipifica esse tráfico.
Um dos maiores críticos dessa ausência de lei específica, o delegado e Superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraiva, diz que as condutas precisam ser consideradas, para efeito punitivo, distintamente, pois isso é a base do Direito Penal. Diz ele que não se pode colocar na mesma tipificação o sujeito que tem uma ave ilegal em casa e comparar essa conduta com o do traficante. As condutas têm lesividades diferentes e, desse modo, precisam constar em normas específicas que considerem a gravidade de cada uma.
O mesmo equívoco ocorre na legislação sobre o desmatamento. O sujeito que desmata um hectare sem autorização e o que desmata 1.000 hectares, também sem autorização, são enquadrados no mesmo tipo penal, o que constitui um verdadeiro absurdo.
O delegado também disse que a existência da tipificação do tráfico trará uma maior segurança jurídica para punir o criminoso. Havendo o flagrante, o enquadramento será objetivo e direto, não dando margem para interpretações subjetivas que podem ter como consequência a não punição desse traficante. Não há como descartar o testemunho de autoridade de alguém que vem destacando-se no combate aos crimes ambientais nos diversos Estados do Brasil.
Uma legislação branda e não específica desestimula o trabalho policial e fortalece o crime. A polícia fica desmotivada em empregar todos os seus recursos logísticos e humanos em um trabalho de repressão ao tráfico quando, após todo o seu esforço, vê o infrator ser liberado da delegacia e, pela certeza da impunidade, voltar, na maioria das vezes, a cometer o mesmo crime.
Outra grande falha em nossa legislação é a ausência de responsabilização do autor do crime pelos custos de reabilitação e reintrodução desses animais à natureza. Todos os anos, centenas de animais são apreendidos e a responsabilidade pelos gastos com os cuidados que esses animais precisarão ter fica a cargo do governo.
Os centros de reabilitação de animais silvestres dos Estados e da União, por exemplo, são os responsáveis pela pós-apreensão, arcando com custos altíssimos. Apenas o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Rio de Janeiro gasta, em média, um milhão de reais por ano com tratadores, medicamentos, alimentação, funcionários, etc.
Por que não responsabilizar o autor do delito por todos os gastos com a reabilitação desses animais já que foi ele quem causou todo esse dano? O mínimo que poderia fazer é arcar com as despesas dos cuidados que esses órgãos terão que ter até o momento da devolução do animal à natureza. Além de diminuir os gastos do governo, tal medida teria um caráter educativo. O próprio infrator iria ver e aprender o quanto é custoso colocar um animal de volta ao seu habitat.
Nada mais educativo que fazer o criminoso arcar com o prejuízo dos seus próprios atos.
O que se espera é que os agentes públicos se conscientizem da importância e da premência de uma legislação específica que coíba a prática do tráfico de animais silvestres, que tantos danos tem causado ao nosso meio ambiente e tantos custos tem exigido da nossa população.
Com a palavra, os senhores legisladores!