
Por Roberto Cabral Borges
Biólogo, mestre em Ecologia e Analista e Agente Ambiental do Ibama
nalinhadefrente@faunanews.com.br
No dia 3 de fevereiro de 2019, a ONG Ampara Animal lançou em São Paulo a campanha Sinta na Pele. Como seria sentir-se na pele dos animais? Sentir-se no lugar deles? Artistas se revezaram em fotos e vídeos que representam situações às quais os animais são submetidos.
“Privaram-me da liberdade, tiraram-me o chão, roubaram-me o céu…” inicia o texto da foto de Luan Santana engaiolado. Como será poder voar e ter de passar a vida em uma gaiola? Talvez, realmente, seja a gaiola, e não o avião, o maior tributo da inveja humana ao voo dos pássaros. Os pássaros canoros correspondem de 80% a 90% dos animais traficados no Brasil. Nossa biodiversidade engaiolada. Não apenas sua liberdade foi roubada, mas eles também foram usurpados de todos os demais cidadãos. Seu canto agora é restrito ao egoísmo de seu captor ou de quem o receptou do tráfico de animais silvestres.
João Vicente de Castro representa os animais traficados, roubados da natureza para a casa de alguém. Ele ainda está vivo, mas isso não é o que prevalece no tráfico. Vários animais morrem e a taxa de mortalidade depende de vários fatores tais como espécie, meio de captura e transporte, idade da captura, dentre outros. Se não morre, o animal que antes era livre, agora torna-se escravo da cobiça humana. O “papagaio da vovó”, o “passarinho do titio”, que equivocadamente as pessoas consideram serem bem cuidados, não representam o tráfico de animais silvestres. Eles são apenas a última escala de uma viagem de sofrimento e dor. Alguns ainda argumentam que os amam e que o amor é recíproco, mas devemos nos lembrar que “não é amor quando não se tem opção.”
Fiorella Mattheis está com um alvo na testa. Um tiro nessas condições a mataria imediatamente e o sofrimento seria apenas aquele representado pela criança que choraria ao lado do cadáver de sua mãe. Não é incomum o filhote ao lado da mãe morta por caçadores. Todavia, caçadores em sua maioria não são snipers. O animal alvejado normalmente sofre antes de morrer pelo tiro. Ou pode fugir e morrer dias depois de infecção ou inanição por não conseguir se alimentar.
A caça realmente foi necessária em determinado momento da história humana e, sem ela, provavelmente não estaríamos onde estamos como espécie. A desculpa da tradição leva os caçadores a defender sua continuidade. Outras tradições e costumes já foram banidos de nossa sociedade.
Tradições e costumes devem ser iluminados pela ética para que se verifique a decência de sua continuidade. Há pouco tempo fumava-se em sala de aula e em aviões, existiam propagandas de fumo na televisão e andava-se sem cinto de segurança. Machismo, racismo e outras formas de discriminação são cada vez menos tolerados. Todos esses comportamentos foram analisados e não resistiram à evolução social, que não deve ser apenas tecnológica. Deve-se também avançar eticamente. A caça é cruel. Não existe esporte sem igualdade de condições entre os adversários. Caçador é lerdo demais para matar animais velozes e fraco demais para matar animais ferozes. Compensa sua deficiência com um rifle ou outros artifícios. Tal incremento tecnológico, na caça, embora justificado na luta pela sobrevivência, não justifica a morte por prazer, mesmo que escondida sob o nome de tradição.
Bruno Gagliasso e Thaila Ayala representam o sofrimento silencioso e invisível dos animais acorrentados e abandonados. E depois de sofrer em um mundo restrito pela corrente que o sufoca, o cão é abandonado por aquele a quem ele nunca abandonaria. Perdido em uma estrada, com frio, sede e fome, ele continuará sua jornada de sofrimento solitário ante a sociedade que o criou e, depois, o abandonou. Outros artistas emprestam seu talento para apresentar o sofrimento de animais depenados, escalpelados, violentados, explorados, encarcerados, torturados e confinados.
Em humanizados, Giovanna Ewbank representa os animais ridicularizados, maltratados e explorados. A fiscalização do Ibama contribuiu e o Brasil já venceu esta etapa, não explorando mais animais silvestres ou exóticos em circos. O comportamento, a cultura pode mudar. Apenas depende que você sinta na pele e se sensibilize com o sofrimento dos outros, humanos ou não humanos.
– Saiba mais sobre a campanha e a exposição Sinta na Pele, no Rio de Janeiro