Mosca-branca-do-fícus: o nada camarada fantasminha gringo das árvores urbanas cariocas

Espécie, que na verdade é um percevejo, tem origem na Ásia.

Elidiomar Ribeiro da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sendo responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural.
Entomólogo, tem carreira centrada no estudo da taxonomia das ordens Ephemeroptera, Hemiptera e Lepidoptera, sendo que recentemente vem se dedicando ao estudo da presença simbólica de animais nas manifestações culturais, a chamada zoologia cultural. Com mais de cem artigos científicos publicados, cerca de 200 trabalhos apresentados em congressos científicos, nove livros editados e sete capítulos de livros, orientou dez dissertações de mestrado e três teses de doutorado. É idealizador e editor do periódico A Bruxa, uma revista de biologia cultural, e do fanzine sobre ciência Homem-Leoa. É também o criador e organizador do Colóquio de Zoologia Cultural e da Mostra de Biologia Cultural.

23 de abril de 2025

FAUNA NEWS Mosca-branca-do-fícus: o nada camarada fantasminha gringo das árvores urbanas cariocas

Quando eu chego perto da varanda do meu apartamento, olho para o céu e vejo o voo bonito do urubu-preto. Além da alegria natural que todo flamenguista tem ao ver o nosso mascote querido, sei dizer que se trata do Coragyps atratus, espécie da ordem Cathartiformes, família Cathartidae. Da mesma forma, sei que o gambá que frequentemente vejo nas áreas urbanas do Rio de Janeiro tem orelhas pretas e pertence à espécie Didelphis aurita, marsupial da ordem Didelphimorphia, família Didelphidae. Bem como o calango que sobe pelas paredes aqui do condomínio é um Tropidurus torquatus, da ordem Squamata, família Tropiduridae. Mesmo não sendo, respectivamente, ornitólogo, mastozoólogo ou herpetólogo, consigo identificar essas espécies.

Essa possibilidade tem a ver, é claro, com o fato de serem espécies comuns, mas a real é que isso acontece muito mais com os animais vertebrados. Para quem estuda insetos, tal fato só seria possível em casos muito excepcionais. Identificar um inseto geralmente exige que se olhe detalhadamente mais, mais e mais. Quando eu digo “detalhadamente”, me refiro a estudos anatômicos minuciosos de um bicho muito pequeno, com estruturas menores ainda. São os ossos do ofício da profissão de entomólogo, o estudioso de insetos.

Dentro do campo da Entomologia, um de meus focos de coleta costuma ser a inspeção de lustres e globos de iluminação, tanto em residências quanto em estabelecimentos comerciais, especialmente os que margeiam as rodovias. A pesquisa científica, muitas vezes, envolve o sacrifício de exemplares para o estudo, sempre de forma mediada pelo bom-senso do pesquisador, que é o conhecedor do assunto. Mas obter exemplares que já estavam mortos minimiza a necessidade de novos sacrifícios, o que faz eu valorizar demais esse tipo de procedimento, algo que já realcei aqui [1].

Em uma das inspeções corriqueiras que faço em busca de exemplares para estudo, exatamente no lustre da sala da residência em que eu morava, no bairro suburbano do Cachambi, município do Rio de Janeiro (RJ), me deparei com um inseto que não tinha ainda encontrado. E aí tive que partir para a identificação daqueles minúsculos seres, dentre os menores na amostra, que pareciam, à minha visão, fantasminhas brancos e com olhos destacados.

Um percevejo

Após todos os procedimentos taxonômicos, percebi que se tratava do minúsculo Singhiella simplex, integrante da ordem Hemiptera, família Aleyrodidae, um insetinho muito interessante por alguns motivos. Em primeiro lugar, devido ao próprio nome comum pelo qual é conhecido, mosca-branca-do-fícus, embora não seja uma mosca, mas um tipo de micro percevejo. Em segundo lugar, pela procedência, pois tal inseto é originário da Ásia tropical e só foi registrado por aqui em 2009, sendo que vem se espalhando por todo Brasil desde então [2] [3]. Por fim, o bicho é originalmente praga da figueira Ficus benjamina (Rosales: Moraceae), que, nos últimos anos, vem sendo utilizada em vários países para produção de incenso, cerca-viva, extração de resina e ornamentação. Singhiella simplex se adaptou super bem ao clima brasileiro e a outras espécies de árvores, aumentando de forma significativa os estragos na flora urbana [3].

A partir da identificação, pude estudar a biologia populacional da espécie na sala de estar de minha residência de então, em plena urbanidade da zona norte carioca. Nas minhas inspeções mensais, realizadas de maio de 2014 a maio de 2015, pude observar um pico populacional em março e abril, com queda posterior em maio de 2015. Foi detectada a influência significativa de quatro fatores ambientais na dinâmica populacional do inseto: evaporação, precipitação, balanço evaporação-precipitação e umidade relativa do ar. Deve-se ressaltar que, contrariando os relatos até então registrados, Singhiella simplex apresenta boa capacidade de voo, posto que as amostragens foram realizadas no sexto pavimento de uma edificação, cerca de 30 metros acima da copa das árvores mais próximas, possíveis locais de criação dos exemplares [4].

Estudos sobre relictos naturais presentes em ambientes metropolitanos são interessantes em muitos aspectos. Animais presentes na “selva de pedra” urbana precisam se adaptar a tais ambientes, o que, muitas vezes, inclui mudanças na alimentação e no comportamento. O crescimento desordenado das cidades e a consequente diminuição das áreas naturais forçam insetos e outros animais a conviverem com o ser humano, desenvolvendo estratégias ecológicas de colonização. Qualquer espaço que forneça alimento, calor, umidade e outras condições específicas passa a ser propício à ocupação dos novos moradores. Sem essa capacidade de adaptação, essas espécies provavelmente entrariam em colapso rapidamente. Singhiella simplex é um bom exemplo de inseto exótico que, além de se adaptar bem ao clima e à região, se adaptou à flora local e aos novos nichos disponíveis.

Com as linhas acima, completei o quinto ano inteiro frequentando mensalmente, com muita honra e felicidade, este espaço. Foi meu texto de número sessenta! Mês que vem começará minha sexta temporada neste canto que me traz inestimável satisfação… Até lá.

Referências

[1] https://faunanews.com.br/do-presencial-ao-remoto-algumas-das-diferentes-formas-de-falar-sobre-insetos-na-unirio/
[2] Lopes-da-Silva, M.; Sanches, M.M.; Stancioli, A.R.; Alves, G. & Sugayama, R. 2014. The role of natural and human-mediated pathways for invasive agricultural pests: a historical analysis of cases from Brazil. Agricultural Sciences 5: 634-646.
[3] Da-Silva, E.R. & Coelho, L.B.N. 2015. Singhiella simplex (Singh) (Hemiptera: Aleyrodidae) in an urban area of Rio de Janeiro City, Brazil. International Journal of Pure and Applied Zoology 3: 173-175.
[4] Da-Silva, E.R. et al. 2016. Flutuação populacional de Singhiella simplex (Hemiptera: Aleyrodidae) em ambiente urbano do município do Rio de Janeiro. In: Da-Silva, E.R. et al. (ed.) – Anais do III Simpósio de Entomologia do Rio de Janeiro. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, p. 101-108.

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Sobre o autor / Elidiomar Ribeiro da Silva

Licenciado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), sendo responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural. Entomólogo, tem carreira centrada no estudo da taxonomia das ordens Ephemeroptera, Hemiptera […]