Megalosaurus: nomeação do primeiro dinossauro completa 200 anos

Em 20 de fevereiro de 1824, o naturalista britânico William Buckland relatou suas descobertas sobre um grande lagarto fóssil de Stonesfield à Sociedade Geológica de Londres. Os elementos esqueléticos disponíveis encontrados eram esparsos e fragmentados, mas foram suficientes para ele determinar que, sem dúvida, se tratava de um grande animal, que o pesquisador batizou de Megalosaurus. Era o primeiro dinossauro.

Segundo Buckland, os fósseis encontrados “mostravam que a criatura era ovípara e pertencia à ordem dos Saurianos ou Lagartos” e, para a época, um animal tão grande só poderia ser um quadrúpede. Em sua palestra, o naturalista descreveu o Megalosaurus como um “enorme animal fóssil … [com] um comprimento superior a 12 metros e um volume igual ao de um elefante”. Apesar da estimativa de tamanho ter sido exagerada, entre outros deslizes, o Megalosaurus foi um dos maiores carnívoros do Jurássico Médio, vivendo no sul da Inglaterra há cerca de 168 milhões de anos e certamente sendo um predador de topo em sua época.

O Megalosaurus então criou uma tendência: cerca de 50 outras espécies foram eventualmente classificadas sob o gênero. Isso ocorreu porque poucos tipos de dinossauros haviam sido identificados, mas a prática continuou até o século 20, depois que muitos outros dinossauros foram descobertos. Hoje, entende-se que nenhuma dessas espécies adicionais estava diretamente relacionada ao Megalosaurus originalmente descrito, que é a única espécie atualmente aceita do gênero.

Richard Owen concluiu, em 1842, que o Megalosaurus não tinha mais de nove metros. Porém, o renomado anatomista também achava que esse dinossauro era um quadrúpede, o que resultou na reconstrução clássica encontrada no Crystal Palace em Londres e imortalizada até hoje. E, quase vinte anos depois, agruparia o Megalosaurus junto com duas outras espécies de “grandes répteis” descritas na mesma época, o Iguanodon e o Hylaeosaurus, numa mesma ordem, a qual ele denominou Dinosauria. Embora muitos fósseis que mais tarde seriam atribuídos a Dinosauria já tivessem sido descobertos, o Megalosaurus assume o título de primeiro dinossauro nomeado pela Ciência devido à sua formalização por Buckland em 1824.

A “dinomania” atravessa os séculos

Logo então começou a “mania dos dinossauros“, que rapidamente se espalhou por todo o mundo, mantendo o interesse e o entusiasmo do público forte ao longo destes duzentos anos. Mas não apenas isso, uma vez que, além da “dinomania”, os dinossauros trouxeram consequências indiretas a vários pesquisadores envolvidos em seus estudos.

Richard Owen, figura-chave no estudo dos dinossauros, desempenhou um papel significativo, não apenas na taxonomia (ou seja, a classificação biológica) dos dinossauros, mas também como fundador do Museu de História Natural de Londres. Outros paleontólogos, como os norte-americanos Othoniel C. Marsh e Edward D. Cope, ficaram muito famosos devido à descrição de dezenas de espécies de dinossauros numa competição violenta e acirrada, que foi apelidada de “Guerra dos Ossos” – esse tópico, inclusive, ficará sendo tema de uma próxima coluna.

O fascínio pelo Megalosaurus, e consequentemente por outros dinossauros, impulsionou mulheres como Mary Buckland e Mary Ann Mantell, geralmente menosprezadas em sua época, que se destacaram ao combinar pesquisa científica com técnicas de ilustração para recriar a aparência dos animais extintos. A revista Nature, lançada em 1869, desempenhou um papel crucial na divulgação de trabalhos icônicos sobre dinossauros, com destaque para o trabalho de Thomas Henry Huxley, um forte representante sobre as ideias a respeito da evolução das espécies, a teoria da seleção natural de Charles Darwin.

Animais bem-sucedidos

Animais vistos naquela época como lagartos grandes, desajeitados e até mesmo estúpidos, hoje sabemos que os dinossauros na verdade foram parte de um grupo de animais extremamente diversificado e altamente bem-sucedido, que persistiu por pelo menos 220 milhões de anos. Diga-se de passagem, eles governam nosso planeta até hoje, uma vez que as aves são dinossauros – e apresentam mais de 10 mil espécies conhecidas, muito mais que o dobro de espécies de mamíferos, por exemplo.

Essa mudança de visão, de dinossauros grandes e bobos para animais ágeis e até gráceis, se deu graças a “Renascença dos Dinossauros” ocorrida nos anos 1960 e 1970, que testemunhou uma onda de pesquisas sobre a ecologia e evolução dos dinossauros, especialmente após John Ostrom reunir evidências substanciais para a teoria de que os dinossauros evoluíram em aves.

E, voltando ao “aniversariante”, ele também sofreu uma repaginação. Com os avanços ligados a “Renascença dos Dinossauros”, o Megalosaurus finalmente consolidou-se como um animal bípede, andando sobre membros posteriores robustos, seu tronco horizontal equilibrado por uma cauda igualmente horizontal. Seus membros anteriores eram curtos, embora muito robustos. O Megalosaurus, como outros dinossauros terópodes, tinha uma cabeça grande, equipada com longos dentes curvos, adaptados para a caça.

Inclusive, graças ao avanço tecnológico, foi possível observar até mesmo detalhes bastante curiosos sobre diferentes técnicas de reparação do exemplar. Através do uso combinado de tomografia computadorizada de raios X (XCT), espectroscopia de energia dispersiva de raios X (EDX) e fluorescência de raios X (XRF) para avaliar a história conservacional do dentário (mandíbula inferior) do Megalosaurus foi revelado que o espécime havia sido submetido a pelo menos duas fases de reparo usando dois tipos diferentes de gesso, embora sua composição permanecesse indeterminada. O potencial dessa abordagem combinada foi essencial para avaliar objetos museológicos problemáticos para conservação e até mesmo abriu discussão sobre o uso de diferentes técnicas antigas para conservação em diferentes peças museológicas, sejam elas de origem biológica (como os fósseis) ou não.

Ao celebrar o 200º aniversário da primeira nomeação formal de um dinossauro, refletimos sobre como William Buckland apresentou o Megalosaurus à Sociedade Geológica em 1824, marcando um momento sem precedentes na Ciência e, certamente, impactando a Paleontologia.

A compreensão e os estudos acerca dos dinossauros evoluíram muito ao longo dos anos, transformando-os em uma diversidade surpreendente de criaturas bem-sucedidas. Com auxílio de novas tecnologias, nosso conhecimento sobre esses animais não para de crescer. Novos museus exibem exposições cada vez mais interativas, assim como novos documentários, filmes e séries são feitos para nosso entretenimento, juntando novamente arte e ciência. Assim, que venham mais 200 anos com pesquisas sobre dinossauros!

Para saber mais

• Two hundred years of dinosaurs. Nat EcolEvol (2024)
• Reportagem da BBC sobre o Megalosaurus e o “aniversário” de sua nomeação
• Wilson, P.F., Smith, M.P., Hay, J.et al. 2018. X-ray computed tomography (XCT) and chemical analysis (EDX and XRF) used in conjunction for cultural conservation: the case of the earliest scientifically described dinosaur Megalosaurus bucklandii. HeritSci 6, 58