O gavião-real (Harpia harpyja), uma das maiores aves carnívoras no território brasileiro, teve um rápido declínio populacional nos últimos 20 mil anos, algo que pode estar relacionado com o início da ocupação humana na América do Sul. É o que indica um artigo publicado hoje na revista científica Scientific. O trabalho traz o primeiro mapa completo da genética dessa espécie, hoje classificada como “vulnerável” por ocorrer em regiões suscetíveis a impactos humanos como queimadas e caça, principalmente na Amazônia e em áreas do Cerrado e do Pantanal.
O resultado acende um alerta para fatores que podem representar risco de extinção para o gavião-real ou harpia, como a diminuição do hábitat e a redução de suas fontes de alimento. O estudo é assinado por pesquisadores de instituições brasileiras como o Instituto Tecnológico Vale (ITV) e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em parceria com instituições dos Estados Unidos e Qatar.
As conclusões foram obtidas pelo sequenciamento do genoma do gavião-real. Essa técnica permite ler o DNA de uma espécie como se fosse um livro que conta a história de sua evolução e as formas de adaptação a diferentes hábitats no passado, por exemplo. Esse sequenciamento foi realizado em uma amostra de sangue de uma fêmea resgatada pelo Ibama, após ter sido baleada por caçadores em uma floresta do Amazonas.
Segundo Alexandre Aleixo, pesquisador titular do ITV e líder do estudo e do grupo de genômica ambiental da instituição, os resultados podem servir como base para um plano de ação nacional (PAN) voltado à recuperação do gavião-real.
Até então, esses documentos trabalhavam com abundância ou número de indivíduos estimados. Agora, pela primeira vez, um mapa completo da genética apoiará um desses planos”, explica.
Segundo a literatura, o gavião-real é uma das únicas espécies de aves de rapina abatidas por caça. Conforme estimativa da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), a espécie conta com cerca de 100 mil a 250 mil indivíduos maduros em toda a área de ocorrência, que inclui América do Sul e América Central, com tendência de declínio.
Poucos vertebrados têm genoma de referência no Brasil
Aleixo também destaca a importância da técnica de mapeamento genético para viabilizar mais descobertas científicas. “Para se ter uma ideia, só 4,5% das espécies de vertebrados brasileiras têm o genoma de referência. Estamos contribuindo para aumentar essa proporção”, conta. A técnica usada pelos pesquisadores também permite estimar a saúde da espécie e a probabilidade de ela se extinguir nos próximos anos.
Sibelle Vilaça, pesquisadora do ITV e também autora do estudo, diz que a pesquisa trouxe mudanças no conhecimento sobre a evolução do gavião-real e de espécies próximas. “Estudos prévios mostraram que as aves em geral tinham cromossomos muitos parecidos em termos de tamanho e ordem de genes, e nosso estudo mostra que essa generalização talvez não se aplique ao grupo das águias e gaviões”, comenta.
Futuramente, a pesquisa será expandida em duas frentes. A primeira envolve sequenciar o genoma de um número maior de gaviões-real para entender quais são as populações mais diversas geneticamente e quais enfrentam mais perigo. Já a outra condiz com o mapeamento da diversidade genômica no Brasil com outros 80 genomas de referência, como parte da iniciativa Genômica da Biodiversidade Brasileira. Lucas Canesin, pesquisador do ITV e primeiro autor do estudo, completa: “A biodiversidade é um ativo estratégico para a bioeconomia e a soberania nacional. O domínio da ciência genômica relacionada à biodiversidade brasileira fortalece o país nesse cenário”.