
Por Dimas Marques
Jornalista e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
Parece a sequência de filmes Sexta-feira 13, em que o assassino Jason nunca morre… Mas, infelizmente, a ameaça sanguinária é real: o terror da ampliação da caça legalizada no Brasil ganhou mais um episódio. E o protagonista da vez é o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Desde o final de 2016, ambientalistas e entidades de defesa da fauna lutam contra a aprovação do Projeto de Lei 6.268/2016, o PL da Caça, de autoria do ex-deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC). A proposta é uma farsa travestida de Política Nacional de Fauna, que busca, entre absurdos como retirar o direito de os agentes de fiscalização do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de trabalharem armados, legalizar as caças esportivas e comercial no Brasil.
Pelo fato de Colatto não ter sido reeleito em 2018, o PL da Caça está arquivado. O que não quer dizer que esteja morto, afinal existem possibilidade de ele voltar a tramitar. Vale destacar que o ex-deputado sempre foi um dos mais atuantes parlamentares das bancadas ruralistas e da bala.
Agora coube a Onyz Lorenzoni o papel de aterrorizar a fauna silvestre. Na última quinta-feira (7 de fevereiro), ele foi exonerado do cargo de ministro, reassumiu seu mandato como deputado federal e apresentou o Requerimento de Desarquivamento de Proposições 249/2019. A manobra tenta o desarquivamento de 108 projetos de sua autoria, que podem voltar a tramitar do ponto de onde haviam parado na Câmara dos Deputados.
Entre as propostas legislativas de Lorenzoni está o Projeto de Lei 7.136/2010. Esse PL transfere do governo federal (Ibama) para as prefeituras a emissão de permissões de caça em casos de superpopulação de animais, ataques a pessoas, transmissão de doenças e danos ao meio ambiente e a lavouras comerciais e de subsistência. A alteração seria feita no parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 5.197de 1967.
Onyx justifica seua proposta desta forma:
"Os problemas enfrentados por cidadãos de todo o país, expostos a ação devastadora de animais em seus meios de subsistência, uma vez que o forte atrativo está em alimentarem-se facilmente em armazéns, silos, lavouras e pequenas culturas, está na impossibilidade de defesa desses produtores, que enfrentam um número cada vez maior de animais que se reproduzam de maneira descontrolada."
É essencial destacar que o PL 7.136/2010 foi arquivado em 10 de junho de 2011 por decisão da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados, que aprovou o parecer contrário do então relator, o deputado federal Ricardo Tripoli (PSDB-SP). O arquivamento deu-se pelo fato de a CMADS ser a comissão de mérito do projeto.
Entre os argumentos de Tripoli em seu parecer contrário, destacam-se:
"Por fim, resta ponderar a principal mudança proposta, a de que o município, e não a União, regulamentará a caça. Hoje essa atribuição é do órgão ambiental federal, visto que a fauna silvestre é patrimônio do Estado brasileiro, ou seja, da União.
Para que os municípios pudessem decidir, tecnicamente, sobre manejo de fauna, seria necessário, além de mudar a Lei, que todas as prefeituras tivessem pessoal capacitado para tanto. Ocorre que, dos 5.565 municípios brasileiros, somente 1.124 (20%) tem secretaria de meio ambiente (embora muitos contem com outras secretarias que acumulam atribuições ambientais). Não é de se esperar que cada uma dessas secretarias disponha de biólogos para avaliar a necessidade e as recomendações de manejo de fauna silvestre, e a partir disso, regulamentar a caça."
Apesar da tentativa de Lorenzoni ressucitar o PL 7.136/2010, o fato de o arquivamento ter-se dado pela rejeição em sua comissão de mérito é um indicativo de que o pedido para o retorno desse projeto ao processo de tramitação pode ser negado. De qualquer forma, vale destacar que o atual ministro-chefe da Casa Civil é um veterinário pró-caça integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária (ruralista) e da bancada da bala (parlamentares que tiveram parte de suas campanhas custeadas pelas indústrias de armas e munições) – perfil bastante parecido com o de Colatto:
“Onyx Lorenzoni (DEM) teve doações do setor de armas de 2006 a 2014
Anunciado como futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx é deputado federal pelo Rio Grande do Sul desde 2003. Em 2004 e 2008 se candidatou à Prefeitura de Porto Alegre, mas não venceu. Neste ano, ele se reelegeu para mais um mandato na Câmara, com 183.518 votos. No momento, exerce o cargo de Ministro Extraordinário Coordenador do Gabinete de Transição Governamental.
A campanha de Onyx em 2018 recebeu R$ 1,663 milhão e foi majoritariamente bancada por seu partido, o DEM, que contribuiu com R$ 1 milhão (R$ 50 mil do fundo partidário e R$ 950 mil do fundo eleitoral). Outros R$ 650 mil foram doados pelo empresário Carlos Jereissati (R$ 300 mil), dono da rede de shopping centers Iguatemi e acionista majoritário da Oi. Rubens Ometto, presidente do Conselho de Administração da Cosan, doou R$ 200 mil e sua filha Isabel outros R$ 50 mil. Salim Mattar, fundador da Localiza, repassou R$ 100 mil. Vale lembrar que, desde 2015, a legislação eleitoral não permite doações de pessoas jurídicas.
Em 2014, quando ainda eram permitidas doações de empresas, a campanha de Onyx foi um pouco mais cara. Movimentou R$ 2,062 milhões. Naquele ano, vinte empresas foram responsáveis por 80% dos recursos usados na campanha, entre elas o Shopping Iguatemi (R$ 200 mil), de Jereissati, e a Cosan Lubrificantes (R$ 109 mil), de Ometto.
Também doaram acima de R$ 100 mil as empresas Andrade Gutierrez (R$ 200 mil), Rima Industrial (R$ 150 mil), CR Almeida, Copersucar, Bradesco Leasing e CRBS (R$ 100 mil cada). A Taurus doou R$ 50 mil. O DEM cedeu R$ 300 mil, e Onyx pagou R$ 98 mil do próprio bolso.
Em 2010, a campanha de Onyx arrecadou R$ 1,370 milhão, dos quais R$ 888,5 mil vieram de pessoas jurídicas (exceto partidos). A Fujiwara Equipamentos de Proteção foi a maior doadora delas (R$ 200 mil), seguida pela Taurus (R$ 150 mil), a Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições e a Gerdau (R$ 100 mil cada). Outros R$ 450 mil vieram de seu partido, o DEM, que, à época, não era obrigado a especificar a origem do dinheiro.
A Gerdau e a Taurus também foram contribuidoras relevantes na campanha de Onyx em 2006. As duas empresas contribuíram com R$ 110 mil cada, as duas maiores doações que a campanha recebeu. No total, foram R$ 542,4 mil arrecadados, dos quais 85% vieram de empresas. Em 2002, sua primeira eleição para deputado federal, a campanha recebeu R$ 204 mil, dos quais R$ 100 mil vieram da Gerdau.” – texto da matéria “Setor de armas, agronegócio e construção: quem financiou as últimas campanhas dos futuros ministros?”, publicada em 22 de novembro de 2018 pela Agência Lupa no site da revista Piauí (grifos do Fauna News)
Outra ameaça
Entre as inúmeras tentativas para flexibilizar a legislação em favor da caça, há também o Projeto de Lei Complementar 436/2014, do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC). A proposta do parlamentar é alterar a Lei Complementar 140/2011 para transferir do governo federal (Ibama) para os Estados a competência de autorizar o manejo, a caça e a apanha de animais, ovos e larvas, da fauna silvestre.
O PLP 436/2011 já tramitou por duas comissões na Cãmara dos Deputados. Na de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), o parecer favorável do deputado Daniel Vilela (MDB-GO) foi aprovado. Na de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), o pareceer contrário do deputado relator Nilto Tatto (PT-SP) foi aprovado. Atualmente, o projeto aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados (que na última legislatura foi o deputado federal ruralista Alceu Mendonça (MDB-RS). Em seguida, a proposta deve ir a plenário para ser votada.
Assim como Onyx Lorenzoni e Valdir Colatto, o deputado Peninha integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (ruralista) e a bancada da bala – ele é o autor do Projeto de Lei 3.722/12, que propõe a revogação do Estatuto do Desarmamento. Sabe-se que o Ibama tem uma política bastante restritiva na emissão de licenças de caça. Por isso há tanta pressão para retirar essa função do órgão do governo federal (Ibama) e deixar com Estados e Municípios, onde políticos e empressas interessados podem influenciar com mais facilidades os órgãos ambientais locais.
– Conheça o Projeto de Lei 7.136/201), de Onyx Lorenzoni (DEM-RS)
– Conheça o PL da Caça, de Valdir Colato (MDB-SC)
– Conheça o PLP 436/2014, de Rogério Peninha Mendonça (MDB-RS)
– Leia a matéria completa da Agência Lupa