O primeiro zoológico do Brasil foi fundado em 1840 no Rio de Janeiro (RJ). Nada mais era do que uma coleção de animais, nativos e exóticos, mantida no quintal da residência do empresário português Antonio José Alves Souto. Foi, por esta razão, apelidado de “Chácara do Souto”. A entrada era franqueada pelo governo para todos os moradores, independentemente de sua classe social, e fazia dele, segundo registros da época, um dos locais de lazer mais conhecidos da cidade.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde os zoológicos começaram como instituições científicas, a história dessas instituições aqui no país se assemelha mais à da Europa, onde os zoos começaram como coleções da nobreza para demonstrar poder e riqueza. No entanto, em lugares como o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Áustria e a Suíça ocorreu a transição dessas coleções para instituições científicas ao longo do século 19 e, posteriormente, no decorrer do século 20, para centros de conservação.
No Brasil, essa transição ainda carece de acontecer. Isso é algo que também não é ajudado ou estimulado do ponto de vista legal. A lei que regulamenta os zoológicos no país, a n° 7.173 de 1983, é relativamente recente se considerarmos o histórico da instituição. Seu texto, contudo, não traz referência alguma à conservação e/ou ao bem-estar animal. Paralelamente, e a critério de comparação, a Associação Norte-Americana de Zoos e Aquários (AZA) já mantinha, na mesma época, 13 programas de conservação para espécies ameaçadas.
Não há avanço significativo quando consultamos a Instrução Normativa n° 07/2015 do Ibama, que dispõe a respeito da categoria das instituições (se é zoológico, criadouro ou mantenedor), o padrão mínimo de infraestrutura e o tipo de manejo exigido para cada espécie. Isso porque os padrões exigidos pela instrução normativa são tão mínimos que dificilmente garantem níveis positivos de bem-estar para a maioria dos animais. Por exemplo, consta lá, no anexo IV, que o tamanho mínimo de recinto exigido para dois tigres ou duas onças-pintadas é de apenas 70 m². Enquanto os manuais de manejo da AZA recomendam para essas espécies, no mínimo, 510 m² e 250 m², respectivamente, com acréscimo de 50% sobre a área total para cada animal extra no recinto. Ou seja, a lei no Brasil está longe de atender ou fazer com que os responsáveis pelos zoológicos atendam as necessidades comportamentais dos animais em cativeiro.
Compreender o comportamento dos animais é o primeiro passo para entender o que eles necessitam no zoológico e como devemos atender a essas necessidades. Nem sempre é uma tarefa fácil, porque, como a Ciência nos ensina, a natureza pode ser contraintuitiva e trair nossas percepções ou crenças mais arraigadas. Na área dos zoológicos, é muito comum encontrarmos pessoas acreditando que os visitantes sempre exercem um efeito danoso ou prejudicial aos animais. A realidade, no entanto, é mais complexa. Um estudo feito no Zoo Atlanta, nos Estados Unidos, concluiu que tigres e leões aumentavam comportamentos estereotipados, associados ao desconforto, quando tinham sua visão dos arredores e dos visitantes obstruída.
O mesmo resultado foi encontrado em outro estudo, coordenado pelo Oregon Zoo, que envolveu 55 ursos-polares em 20 instituições na América do Norte. Dados similares foram encontrados em avaliações da ausência de visitantes e sua posterior presença devido à pandemia da Covid-19. Constatou-se que elefantes, papagaios, araras e até cetáceos sentiram falta do público nas instituições. Todas essas pesquisas também reforçaram a importância do ambiente onde os animais vivem com relação à presença das pessoas. Em outras palavras, o design do recinto é mais importante do que haver ou não visitantes observando os animais.
É bastante comum em zoos da AZA e alguns na Europa haver programas de interação controlada entre visitantes e animais. Isso garante recursos extras para a conservação e proporciona uma conexão mais profunda do público com o trabalho da instituição e as espécies que ela maneja. Tudo, claro, desde que ocorra dentro de um contexto educacional.
Mas como fica o bem-estar dos animais nessas interações?
Essa é uma preocupação de todos os profissionais e instituições sérias que adotam tal prática. Portanto, as interações costumam ser monitoradas por técnicos e devem ocorrer considerando o direito de escolha dos animais de participarem ou não delas. Isso tem relação direta com a qualidade de vida do animal, uma vez que bem-estar envolve ter necessidades sociais atendidas, estimulação mental e opção de escolha.
Um estudo publicado em 2016 analisou o comportamento de 30 girafas que eram submetidas ou não a interações controladas por meio de alimentação dos visitantes em nove zoos (foto no alto da página). Os resultados mostraram que as girafas participantes dessas interações expressavam até 40% menos comportamentos estereotipados associados ao alimento, possivelmente porque a experiência estimulava o comportamento natural de forrageio da espécie. O mesmo resultado foi encontrado para três elefantes submetidos a um programa similar no Woodland Park Zoo, em Seattle (EUA). Efeitos negativos a respeito do manuseio por curtos períodos de serpentes e lagartos também não foram encontrados em análises feitas do cortisol, o hormônio relacionado ao estresse, no Smithsonian’s National Zoo, em Washington DC (EUA).
Então, temos dados de que a interação controlada com visitantes não é prejudicial aos animais.
Mas e do ponto de vista da lei no Brasil, seria ela um crime? É aí que devemos olhar novamente para o anexo IV da Instrução Normativa n° 07/2015. Lá também estão determinados o tipo de contato, direto ou protegido (com barreiras), que os animais podem ter com as pessoas. Isso acontece de acordo com níveis de segurança, que variam do I ao III. Só pode haver qualquer tipo de contato com animais listados nos níveis II e III por meio de barreiras de segurança, o que inclui felinos, elefantes, rinocerontes, hipopótamos e macacos-prego. Ou seja, desde que seja respeitada a questão dos níveis de segurança, não é crime zoológicos proporcionarem interações controladas com animais dentro de programas educacionais no Brasil.
A última preocupação que nos resta é a ética. Seria ético visitar e interagir com animais em um zoológico? Minha resposta, como biólogo e profissional que visitou 92 zoos e aquários em 10 países, é a seguinte: depende do tipo da instituição.
Não é segredo de que existem zoológicos com baixos padrões em suas instalações e cuidados com os animais. De fato, estima-se que 80% dos zoos e aquários no mundo mantenham os animais com níveis baixos de bem-estar. Isso significa que devemos defender o final dessa instituição? Caso você pense que sim, reflita que a maioria das escolas e hospitais também tem problemas ou falhas graves. No entanto, ninguém em sã consciência irá defender o fim deles.
Mas o que os zoológicos fazem por nós ou pela sociedade? Foi graças ao trabalho de instituições como o San Diego Zoo, Phoenix Zoo, Zoológico de Londres e Smithsonian’s National Zoo que ainda temos espécies como o mico-leão-dourado, o condor-da-Califórnia, o órix-árabe e o cavalo-de-Przewalski. Um estudo publicado em fevereiro de 2023 vai ainda mais longe e mostra que zoológicos são melhores do que jardins botânicos em manejar espécies ameaçadas, visto que mais de 10 espécies de animais consideradas extintas na natureza no passado voltaram hoje ao ambiente natural e o mesmo não foi feito com nenhuma espécie de planta ameaçada.
Se você, caro leitor, preocupa-se com os animais como eu, meu conselho é procurar informações a respeito do zoo ou aquário que visita ou pretende visitar. A instituição tem um planejamento ou participa de programas de conservação? O gestor dela é capacitado tecnicamente para geri-la? O zoo tem um programa de enriquecimento ambiental? É uma instituição sem fins lucrativos? São essas algumas perguntas que você pode ou deve fazer.
Afinal, caso não sejamos capazes de se preocupar com o zoo da nossa cidade ou região, como seremos capazes de salvar e proteger o maior e – até o momento – único zoológico no universo, o planeta Terra?
Referências
– AZA Tiger Species Survival Plan (2016). Tiger Care Manual. Association of Zoos and Aquariums, Silver Spring, MD.
– AZA Jaguar Species Survival Plan (2016). Jaguar Care Manual. Association of Zoos and Aquariums, Silver Spring, MD.
– Bashaw, M., Kelling, A., Bloomsmith, M., Maple, T., 2007. Environmental effects on the behavior of zoo-housed lions and tigers, with a case study on the effects of a visual barrier on pacing. Journal of Applied Animal Welfare Science. 10, 95-109.
– Donal Smith et al., 2023. Extinct in the wild: The precarious state of Earth’s most threatened group of species. Science, 379, 10.1126/science.add2889
– Fernandez, E.J.; Upchurch, B.; Hawkes, N.C. 2021. Public Feeding Interactions as Enrichment for Three Zoo-Housed Elephants. Animals 11, 1689. https://doi.org/10.3390/ani11061689
– Michael D. Kreger, Joy A. Mench, 1993. Physiological and behavioral effects of handling and restraint in the ball python (Python regius) and the blue-tongued skink (Tiliqua scincoides), Applied Animal Behaviour Science, 38 (3-4): 323-336
– Orban, D.A., Siegford, J.M., Snider, R.J. (2016), Effects of guest feeding programs on captive giraffe behavior. Zoo Biology, 35: 157-166. https://doi.org/10.1002/zoo.21275
– Williams, E.; Hunton, V.; Hosey, G.; Ward, S.J. 2023. The Impact of Visitors on Non-Primate Species in Zoos: A Quantitative Review. Animals 13, 1178. https://doi.org/10.3390/ani13071178
*Igor Morais é biólogo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestre em Zoologia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), com parte da dissertação desenvolvida no National Marine Mammal Lab, em Seattle (EUA). É especializado em comportamento animal e ecologia de populações. Desde 2007, trabalha com zoológicos brasileiros para promover reformas em prol do bem-estar animal e organizar programas de manejo populacional. Também foi membro do Comitê de Bem-Estar Animal e studbook keeper para o cachorro-vinagre e a ariranha na Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil. Ele publicou artigos científicos sobre os impactos antropogênicos nos cetáceos na costa brasileira e é um dos autores do plano de populações do Zoológico de Brasília, onde trabalhou como Assessor de Conservação e Pesquisa Aplicada (2016-2018) e Gerente de Projetos Educacionais (2019-2022). Sua atuação nos zoos brasileiros inclui a tradução das estratégias de conservação e bem-estar animal da World Association of Zoos and Aquariums e dos livros O Professor no Zoológico e Além do Bem-Estar Animal, ambos do Dr. Terry Maple, para o português. Ele já visitou mais de 90 zoos e aquários em 10 países e recebeu o Prêmio Robin Best da Sociedade Latino-Americana de Especialistas em Mamíferos Aquáticos (2014) e a Bolsa Memorial Devra Kleiman para Conservação da Vida Selvagem do Zoo Conservation Outreach Group (2018).
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