Por Eliziane Holanda¹, Marcelo Jucá² e Karine Montenegro³
¹Presidente do Instituto Pró-Silvestre
²Vice- presidente do Instituto Pró-Silvestre
³Diretora do Instituto Pró-Silvestre
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Os saguis-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), popularmente conhecidos como soins, são primatas facilmente encontrados no Parque Estadual do Cocó, uma unidade de conservação de proteção integral cuja área considerável está inserida na área urbana de Fortaleza (CE). Essa reserva é também considerada o maior parque natural em área urbana das regiões Norte e Nordeste, bem como o quarto maior da América Latina, fazendo parte do Sistema Estadual de Unidades de Conservação – SEUC.
Entre novembro de 2021 e janeiro de 2022 foi constatada uma alta mortalidade de saguis-de-tufo-branco no Parque do Cocó. Pelo menos 14 indivíduos da espécie vieram a óbito no período. No afã de se chegar à causa de tal mortandade sequencial, a ONG Instituto Pró-Silvestre, em rede com demais entidades colaboradoras, como a Clínica Veterinária Bicho do Mato, o Laboratório Pathovet, a administração do Parque do Cocó, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Ceará, a Secretaria de Saúde do Estado, a Unidade de Vigilância de Zoonoses e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado, realizou uma investigação. Após análises clínicas, laboratoriais e necropsiais de alguns exemplares dos saguis, obteve-se o diagnóstico de herpesvirose, virose transmitida por pessoas aos saguis-de-tufo-branco mediante a oferta de alimentos dos humanos aos animais.
Explica-se: ao entregar alimentos a esses animais silvestres, o ser humano acaba por promover a morte para toda uma população de saguis-de-tufo-branco do ecossistema local. Isso porque a herpesvirose, também conhecida como herpes de boca, pode ser transmitida para os saguis por meio da saliva humana contida nos alimentos fornecidos ou até mesmo por meio de contato com a mão humana que esteja com alguma secreção. Esse problema tem o potencial de provocar um forte desequilíbrio ambiental em toda a região florestal atingida, visto que a mortandade expressiva de um grupo de animais silvestres pertencente a um parque florestal acaba por impactar toda a população silvestre existente naquela área.
Ressalta-se que há a estimativa de que pelo menos 90% da população humana mundial possui em seu organismo o herpes vírus, sendo manifestado nos humanos por meio de uma sintomatologia bastante leve ou ocorrendo até mesmo de maneira assintomática. Porém, quando se trata de primatas não humanos, como os saguis-de-tufo-branco, a contaminação é fatal.
Assim, revelou-se cristalino que o provável fator ocasionador da contaminação seguida de óbito de tais famílias de saguis do Parque do Cocó foi a interação dos visitantes do local com os primatas. Muitos dos visitantes possuem o costume de compartilhar seus alimentos com esses animais, favorecendo, portanto, a contaminação e a disseminação do vírus da herpes dentre as várias famílias da espécie. Cria-se, inclusive, o risco de dizimação de toda a população de saguis daquela localidade.
Destaca-se, ainda, que, tendo em vista o comportamento familiar dos bandos de saguis ser marcado por extrema aglutinação, com os membros do grupo realizando a “catação” uns nos outros, se abraçando e acariciando, o contágio de um só indivíduo permite que rapidamente a doença se prolifere entre todos. Isso, muitas vezes, leva a óbito todo o agrupamento de primatas em um curto período. Exatamente como ocorreu no Parque do Cocó entre novembro de 2021 e janeiro de 2022.
Alguns dos veterinários especialistas que examinaram os saguis vítimas de herpes do Parque do Cocó fizeram considerações importantes. Por exemplo, o veterinário Marcelo Jucá, vice-presidente do Instituto Pró-Silvestre, que realizou os atendimentos dos saguis ainda vivos que manifestavam os sintomas virais no Parque do Cocó, relatou o seguinte: “Os corpos dos saguis possuíam alterações evidentes, alterações neurológicas, problemas de coordenação e lesões de boca. Características típicas de herpesvírus”.
Já o veterinário patologista responsável pelas necropsias dos referidos saguis do Parque do Cocó, Daniel Viana, do Laboratório Pathovet e vice-presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Ceará), teceu o seguinte comentário: “Nos saguis, o vírus gera lesões neurológicas, lesões do sistema nervoso, além de lesões cutâneas e hepáticas bem graves, podendo generalizar e, por fim, levando à morte do animal. Já foi constatada a presença da herpesvírus em dois dos exemplares de saguis do Parque do Cocó que passaram pela necrópsia. Os demais exemplares, embora ainda não tenha saído o resultado das necropsias, certamente terão a mesma causa mortis que os primeiros.”
Também foi realizado, por intermédio do Grupo de Trabalho da Raiva da Secretaria de Saúde do Estado, na pessoa do médico-veterinário Francisco Bergson Pinheiro Moura, juntamente com o Laboratório Central do Ceará (Lacen), o diagnóstico de imunofluorescência direta para raiva nos saguis mortos, mas o resultado foi negativo para todos os espécimes examinados. Fato que, mais uma vez, confirma que a única causa comprovada de óbito dos primatas do Parque do Cocó no período foi a herpesvírus transmitida por humanos.
Diante de todo o exposto e da urgência que a situação exige, todas as entidades envolvidas no caso organizaram a campanha “Seu alimento está matando os saguis do Cocó” para a conscientização técnica, elucidativa e de fiscalização dos visitantes.
A conservação da fauna prenuncia o equilíbrio do meio ambiente!
https://youtu.be/Q66nRqpMbHc
Sagui-de-tufos-brancos agonizando no Parque Estadual do Cocó (CE) – Imagens: Instituto Pró-Silvestre
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