Por André Julião
Agência Fapesp
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Os macacos-prego são alguns dos poucos primatas a utilizar ferramentas no dia a dia. Um dos principais usos no Cerrado e na Caatinga são os martelos e bigornas de pedra, que servem para quebrar a casca de alimentos duros, como as vagens do jatobá e a castanha-de-caju.
Em estudo publicado na revista Scientific Reports, pesquisadores brasileiros mostraram que a correlação entre a dureza dos alimentos e o tamanho das ferramentas nem sempre é precisa como se pensava.
Ao observar três populações brasileiras de macacos-prego da espécie Sapajus libidinosus e medir a resistência dos recursos, o tamanho e peso das ferramentas usadas e a disponibilidade de pedras no local, os cientistas concluíram que a cultura do grupo – informação mantida ao longo de gerações por aprendizado social – também pode influenciar a escolha.
“Em uma das três populações analisadas, mesmo quando possuem pedras mais adequadas para determinado recurso, eles podem usar ferramentas desproporcionalmente pesadas, o que pode indicar um traço cultural daquele grupo”, explica Tiago Falótico, pesquisador da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) apoiado pela Fapesp.
A população a que o pesquisador se refere vive no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. A comparação se deu com outras duas, residentes no Piauí: no Parque Nacional Serra das Confusões e no Parque Nacional Serra da Capivara, distantes 100 quilômetros um do outro.
Ferramentas dos macacos
As ferramentas, no caso, referem-se a pedaços de rocha quartzito e arenito encontrados em locais conhecidos como sítios de quebra. Os animais frequentam esses lugares exclusivamente para ter acesso a esses martelos e bigornas. Os primeiros são batidos pelos macacos contra os alimentos, que ficam apoiados nas bigornas.
“Na Serra das Confusões, quando quebram frutos pequenos e menos resistentes, os macacos-prego usam ferramentas menores. Quando precisam abrir cocos maiores e duros, usam martelos grandes e pesados. Na Chapada dos Veadeiros, mesmo tendo variedade de ferramentas, eles usam as mais pesadas mesmo para alimentos mais frágeis”, conta o pesquisador.
Não por acaso, foi na Chapada dos Veadeiros que os pesquisadores registraram o maior peso já levantado por macacos-prego. Um indivíduo desses pequenos primatas, que têm 3,5 quilos em média (machos adultos), foi filmado erguendo um martelo de 4,65 quilos. “São verdadeiros halterofilistas”, nota Falótico.
Medições
Os resultados são fruto de um trabalho minucioso. Nos três locais onde vivem as populações de macacos-prego estudadas foram documentados os alimentos mais encontrados nos sítios de quebra, como coco do babaçu, jatobá, castanha-de-caju e semente de maniçoba (um parente próximo da mandioca).
Foi documentada ainda a disponibilidade de pedras, além do tamanho e o peso das ferramentas encontradas. Com um aparelho especial, os pesquisadores mediram ainda a resistência de cada alimento encontrado. Por fim, observaram e filmaram como os macacos de cada uma das populações utilizavam as ferramentas com determinados alimentos.
“Esperávamos encontrar uma correlação muito direta entre o tamanho e peso da ferramenta e o alimento, mas a população da Chapada dos Veadeiros, que tem uma grande disponibilidade de rochas e poderia escolher maiores ou menores, usa predominantemente as maiores. Esse comportamento é provavelmente herdado dos antepassados, uma diferenciação cultural das outras populações”, afirma Falótico.
Outra amostra de que os macacos têm aprendizado cultural é que, em outras regiões do Brasil, como na Serra de Itabaiana, em Sergipe, e na Chapada Diamantina, na Bahia, também há macacos-prego do mesmo gênero, pedras e os mesmos frutos disponíveis. No entanto, não há sítios de quebra e, portanto, o comportamento de abrir os frutos para comer. Já na Serra das Confusões, os macacos quebram vários alimentos, menos a castanha-de-caju, ainda que esta seja abundante.
“Não é só a disponibilidade ou a escassez de recursos que define a ocorrência do comportamento, mas a herança cultural”, diz.
Os pesquisadores agora realizam análises genéticas das três populações para verificar se as diferenças culturais podem ser detectadas no genoma. O trabalho teve apoio da Fapesp também por meio de bolsa concedida a Tatiane Valença na EACH-USP.