Fotógrafo na conservação: entrevistando Fernando Faciole

A fotografia de conservação ainda é uma área pouco explorada no Brasil, mas que vem recebendo mais atenção e prestígio com o passar dos anos. Nossos fotógrafos estão conquistando espaço e prêmios em concursos internacionais, exibindo ao mundo suas fascinantes ideias.

Para conhecer melhor um dos talentos brasileiros, conversei com Fernando Faciole, recém-finalista e vencedor por escolha popular do concurso Environmental Photography Award 2024, na categoria “Change Makers: Reasons for hope” (Agentes de Mudança: Razões para a esperança). Ele foi premiado por sua belíssima imagem da soltura de um tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) no Cerrado.

Fernando é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do ABC e o brasileiro mais jovem a fazer parte da International League of Conservation Photographers (Liga Internacional dos Fotógrafos de Conservação – iLCP). Em 2022, ele conquistou o prêmio Panda Awards do Wildscreen Festival na categoria Photo Story. Um ano depois, teve uma matéria publicada na National Geographic sobre a conservação de flamingos na República Dominicana.

Fábio Fernandes Teixeira – Sobre a fotografia do tamanduá, você a tinha planejada de alguma forma (questão do ângulo, se ia ou não incluir outras pessoas na foto, etc.) ou foi um registro mais momentâneo, quase que no “feeling”?
Fernando Faciole – Quando participo de algum projeto e conheço um pouco da metodologia dos pesquisadores, procuro planejar algumas fotos na minha cabeça previamente. Claro que precisamos nos adaptar ao que está acontecendo de fato, sem modificar a cena, mas gosto de pensar sobre as imagens que gostaria de capturar, incluindo o equipamento que usaria, o ângulo, a técnica e a iluminação.

No entanto, muitas vezes, no fotojornalismo, as coisas acontecem de maneira bem diferente do planejado. Essa foi uma das fotos em que precisei, mesmo que por 10 segundos, planejar o enquadramento e as configurações da câmera enquanto ainda estava dentro do carro. A chuva era forte e eu sabia que teria pouquíssimas oportunidades para conseguir a foto. Consegui seguir meu plano de enquadramento, mas o mais interessante nessa foto foi o uso do flash fora da câmera. Confesso que não imaginei que fosse trazer esse efeito tão interessante nas gotas de chuva. Dessa vez, o imprevisto jogou a meu favor!

Diria que é sempre uma mistura de planejamento e “feeling”, sendo que esse último também é construído através de muitos anos de fotografia, o que te permite se virar rápido em momentos de pressão como esse.

Fábio Fernandes Teixeira – Quando a fotografia foi tirada, você imaginou que ela poderia ter essa repercussão? Você já imaginava que ela tinha potencial para alguma premiação?
Fernando Faciole – No momento da foto, o ambiente estava um pouco caótico com tanta chuva e eu mal pude ver a imagem na câmera. Só consegui parar para vê-la direito quando voltamos para a sede da fazenda onde estávamos trabalhando. Foi então que, ao bater o olho nela e trabalhar um pouco no pós-processamento, percebi que era uma foto única.

Hoje, depois de tantos anos na fotografia e observando o trabalho de fotógrafos incríveis, é difícil fazer uma foto que realmente salte aos olhos das pessoas. Acho que senti que essa seria uma dessas imagens. Havia algo especial nela e talvez ela fosse longe em uma premiação internacional.

Fábio Fernandes Teixeira – O quão gratificante é ter seu trabalho premiado e reconhecido internacionalmente?
Fernando Faciole – Essa sensação é sempre muito boa, especialmente porque meus trabalhos são quase sempre planejados e financiados por mim mesmo. Então, depois de tanto esforço, é recompensador receber um reconhecimento desses. Claro, não é por isso que crio meus projetos. É por amor às espécies e à conservação. Mas confesso que isso mostra que estamos no caminho certo e que devemos continuar.

Lembrando também que, para cada imagem que pode ser bem-sucedida em um concurso, há centenas de outras que receberam um “não”. Então, quando entro nos concursos, já tento não criar muitas expectativas. Assim, não nos decepcionamos tanto e, quando ganhamos algo, a surpresa é ainda melhor!

Essa dificuldade dos concursos nos lembra de continuarmos humildes, de que há muitas pessoas boas trabalhando na área e de que o verdadeiro motivo para fazermos isso é tentar ajudar a natureza e divulgar o trabalho das pessoas que lutam tanto para proteger esses animais.

Fábio Fernandes Teixeira – Como foi a experiência de ter sua foto exposta e de conhecer outros fotógrafos que lutam pela mesma causa nesta última premiação, que aconteceu em Mônaco?
Fernando Faciole – Em um mundo onde a gente só vê nossas fotos na tela do computador ou nas miniaturas do Instagram, ter uma foto impressa em tamanho quase real e exposta em um local público é uma sensação incrível. Existem fotos que não funcionam bem no celular e essa é uma daquelas que fica mais impactante quanto maior ela é.

Além disso, as exposições sempre reúnem muitos fotógrafos incríveis do mundo da conservação, então é um imenso prazer ter meu trabalho ao lado do deles. Muitos dos fotógrafos premiados e jurados dessa competição são pessoas que eu já admirava há tempos, alguns dos melhores da área. As exposições também oferecem a chance de expandir nosso networking e é muito inspirador estar cercado por pessoas que compartilham ideais e objetivos de vida parecidos com os seus. É um ótimo momento para ouvir sobre o trabalho dos outros, comentar suas ideias de projetos… É sempre muito bom.

Fábio Fernandes Teixeira – Seus projetos geralmente estão muito ligados com a conservação da fauna. Existe algum animal específico que ainda seja seu sonho fotografar ou que você acha que mereça um pouco mais de atenção do seu trabalho?
Fernando Faciole – Hoje em dia, estou focando meus projetos na fauna brasileira e latino-americana em geral, já que muitas das espécies daqui são encontradas em toda a região. Cada vez mais, entendo que precisamos contar as histórias que estão próximas de nós. Assim, conseguimos causar impactos locais na biodiversidade e temos mais facilidade para voltar ao local quando necessário.

Acho que mais do que fotografar por ser um sonho, é sobre entender a necessidade de contar a história dessas espécies e o porquê de contar essa história agora. Além disso, quanto mais conectado às espécies você estiver, mais interessante seu trabalho será.

Sempre fui fascinado pelo tamanduá-bandeira e o convite do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas) para documentar a pesquisa do projeto me inspirou a contar a história deles. Sigo, então, nesse projeto fotográfico e espero poder em breve compartilhar com vocês. Também tenho outro projeto que espero poder tirar do papel em breve. Conto mais para vocês quando tudo der certo.

Fábio Fernandes Teixeira – De todos os lugares que você já viajou e registrou, qual mais surpreendeu suas expectativas e qual mais o desafiou?
Fernando Faciole – Essa é uma pergunta difícil… Cada lugar me surpreende de um jeito diferente, mas posso mencionar uma expedição recente à ilha da Trindade, o ponto mais a leste do território brasileiro. Participei de uma pesquisa com os caranguejos-amarelos (Johngarthia lagostoma) junto à Universidade Estadual Paulista (Unesp) e foram necessários quatro dias de viagem em um navio da Marinha para chegar lá. A ilha, de formação vulcânica e localizada a quase 1.300 quilômetros da costa brasileira, me surpreendeu muito por ser tão remota e longe dos pontos turísticos tradicionais. É um lugar que você só alcança com a Marinha e tem uma fauna local muito interessante. Em breve, vou compartilhar essa história com vocês através de uma nova matéria que estou preparando.

Fora isso, alguns dos lugares que ficarão na minha memória para sempre são a península de Osa, na Costa Rica, as ilhas Galápagos e o Massai Mara.

Quando penso no lugar ou projeto que mais me desafiou, acho que foi o fotodocumentário sobre o resgate de flamingos na República Dominicana, publicado pela National Geographic no início do ano. Foi um ponto da minha carreira em que precisei amadurecer muito em um espaço curto de tempo. A viagem me exigiu muito do ponto de vista técnico, mental e físico, já que viajei por quatro regiões do país em dez dias, cada uma com um propósito. Desde visitar parques naturais em regiões pantanosas para documentar a caça furtiva de flamingos até ir aos resorts de Punta Cana fotografar os animais mantidos ilegalmente nessas instituições.

Foram dez dias muito intensos, mas, por sorte, tive o apoio logístico de pessoas locais, incluindo o fotógrafo e ambientalista Eladio Fernandez. Ele atua como um mentor para mim através da International League of Conservation Photographers (iLCP) e ajudou a conceber esse projeto. Convido todos a verem a matéria publicada.

Fábio Fernandes Teixeira – Sendo biólogo de formação, teve algum momento ou acontecimento em sua vida que o fez “virar a chave” e começar a se dedicar 100% à fotografia, de forma profissional?
Fernando Faciole – Na verdade, a ideia de ser fotógrafo de vida selvagem nasceu quando eu era bem jovem, junto com o plano de ser biólogo. Durante todo o curso de Ciências Biológicas, minha intenção sempre foi entender o mundo ao meu redor para, no futuro, fotografar a vida selvagem. O que houve foi uma mudança na minha percepção entre “fotografia de vida selvagem”, que eu já fazia desde os 15 anos, e “fotografia de conservação”, que começou por volta de 2018. Nesse ano, comecei a buscar fotógrafos de conservação para entender mais sobre essa área.

O curso de Biologia me trouxe uma visão mais conservacionista da natureza e me fez perceber que, para mim, fazia mais sentido focar nas histórias por trás dessas espécies incríveis, mostrando seu hábitat, os desafios que enfrentam e a história das pessoas que fazem de tudo para protegê-las. Foram necessários anos para eu realmente começar nessa área, o que aconteceu por volta de 2021.

Fábio Fernandes Teixeira – Você falou em uma transição da “fotografia de vida selvagem” para a “fotografia de conservação”. Qual a diferença?
Fernando Faciole – Eu acredito que a “fotografia de vida selvagem” se concentra em registrar a natureza das espécies, seja através de retratos ou registros de comportamento e interação entre elas. Já a “fotografia de conservação” busca um contexto mais amplo, mostrando não apenas a espécie em seu hábitat, mas também sua relação com os humanos, as ameaças que enfrenta e as pessoas que trabalham para protegê-la.

A “fotografia de conservação” foca na arte de contar uma história, seja com uma única imagem ou com uma sequência de fotos. O objetivo é transmitir uma mensagem. Dentro desse contexto, a “fotografia de vida selvagem” é uma ferramenta importante para construir essa narrativa.

Fábio Fernandes Teixeira – Qual o seu objetivo como fotógrafo de conservação? Além de uma atividade profissional, você encara sua profissão como alguma forma de missão?
 Fernando Faciole – Hoje, tento desenvolver os projetos com calma, buscando a melhor versão que posso apresentar e fazendo o meu melhor para causar um impacto real na conservação de um ecossistema ou espécie. Acho que, mais do que querer mudar o mundo de uma vez, preciso focar em um impacto real, mesmo que isso signifique concentrar-me em poucas espécies ou situações.

Vejo minha profissão como uma missão, sim. Acho que essa é a minha forma de contribuir para o mundo e retribuir um pouco de todas as coisas maravilhosas que a natureza me proporcionou desde pequeno. Espero que eu possa seguir essa missão com paixão por muitos e muitos anos.

Veja mais alguns registros de Fernando Faciole na galeria de fotos abaixo.

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