Edição na fotografia vida de selvagem: até que ponto é válida?

Olá! Depois de duas séries de artigos (aplicações da fotografia de fauna na Ciência, educação ambiental e arte e dicas para fotografar alguns grupos de animais), estou de volta propondo mais uma discussão. Vamos abordar um pouco sobre as polêmicas da edição (ou pós-produção, sendo o termo mais técnico) na fotografia de vida selvagem, refletindo até que ponto ela é válida e tentando contextualizar a sua aplicação.

Diferente do que muitos pensam, “editar” uma foto não é uma técnica nada moderna. A pós-produção tem sua data de nascimento idêntica à da própria fotografia, uma vez que antigamente as fotos não ficavam instantaneamente prontas no visor da câmera – saíam em forma de negativos que precisavam ser tratados em um laboratório para serem revelados. A diferença é que, naquela época, o tratamento era realizado através de processos químicos e físicos, enquanto hoje é simplificado por meios digitais.

Atualmente, os softwares de edição mais utilizados na fotografia são o Photoshop e o Lightroom, por oferecerem os mais completos leques de ferramentas e serem fáceis de entender – depois de estudá-los um pouquinho. Porém, já existe uma infinidade de alternativas (gratuitas ou não) para quem não tem acesso, não gosta desses programas ou até mesmo quem não sente necessidade de uma edição tão complexa. O próprio Instagram tem uma seção de edição antes de postar fotos. Alguns celulares também podem vir com essa função embutida na própria galeria, dispensando a instalação de aplicativos, por exemplo.

Finalidade da foto e uso da edição

Antes de começar a discussão, devo lembrar que a fotografia de vida selvagem é uma arte (assim como as outras fotografias), portanto não existem regras que ditam se algo está certo ou errado em uma imagem. Cada artista é livre para fazer o que bem entender com o seu trabalho. Porém, dependendo da finalidade da foto, existem casos em que temos de dosar e ocasionalmente ignorar por completo os processos de pós-produção. Para exemplificar isso, vamos retomar dois artigos da primeira série que escrevi aqui no Fauna News, sobre as aplicações da fotografia da fauna na Ciência e na arte.

Para fins científicos (revistas e artigos científicos, banco de dados, demonstrações de experimentos, etc.), 99% das fotos costumam ser “cruas”, ou seja, sem qualquer tipo de alteração ou edição. Acho que nem preciso explicar isso, mas a Ciência tem uma imensa responsabilidade com fatos e provas reais, logo as imagens devem representar uma versão mais próxima da realidade possível. As exceções estão nos casos em que podemos cortar a foto e aumentar um pouco a luz e o contraste para facilitar a visualização de alguma coisa. Mas o ideal é sempre deixar a imagem sem qualquer alteração.

Enquanto isso, se a finalidade da fotografia for completamente artística, volto a destacar que não somos obrigados a seguir padrões – a não ser ao participar de concursos que podem exigir alguns limites e regras. Em 2019, o fotógrafo ganhador do prêmio Africa Geographic Photographer of the Year acabou perdendo o título e tendo sua imagem de um elefante desqualificada do concurso por manipulação.

Tim, como o animal é chamado, vive em um Parque Nacional de Amboseli, no Quênia, e é conhecido por muitas pessoas, que logo perceberam algo estranho com as orelhas dele na foto. Os jurados haviam permitido, e até elogiado, as edições na imagem do fotógrafo, mas ao descobrirem o “crime” que foi cometido decidiram invalidar a primeira decisão: as orelhas do elefante haviam sido invertidas, alterando a aparência real do animal – o que foi provado através das fotos de outro participante do concurso que havia registrado o mesmo indivíduo de forma natural. Confira as fotos desse concurso e a matéria sobre toda essa novela, caso se interesse.

Além disso, apesar de que cada um tem o seu gosto, algumas coisas podem ser consideradas bregas, um pouco exageradas ou menos agradáveis na pós-produção, na minha opinião e na de alguns outros fotógrafos. Caso você se identifique com alguma coisa que ler aqui, não se preocupe! Quando olho para minhas primeiras fotos editadas não sei se dou risada ou fico enjoado… E claro, o importante é sempre estar feliz com os seus resultados, não deixe ninguém te forçar a mudar seu estilo.

Entre esses exageros estão: aumentar demais a vibração e a saturação para dar cor; utilizar efeitos como claridade e textura de forma muito pesada, deixando a imagem artificial; deixar a foto inteira em preto e branco, com exceção de uma única cor; alterar demais a luminosidade e exposição da foto, também deixando-a artificial.

Ao fotografar animais, acredito sempre em tentar representar eles de forma mais natural e respeitosa possível. Afinal, a parte difícil de conseguir um assunto e uma composição bonita, a natureza basicamente já fez para mim ao longo de milhões de anos de evolução. Vale lembrar que as câmeras, por mais tecnológicas que sejam, não são capazes de registrar exatamente aquilo que nossos olhos veem. As cores, realces e sombras sempre serão ligeiramente diferentes. Por isso, me encaixei em um estilo de edição sutil que serve apenas para aprimorar pequenas coisas da imagem, consertar algumas distrações e tentar reproduzir um momento que vivi presencialmente de acordo com a minha memória.

Dicas para uma edição sutil

Para finalizar, vou deixar aqui uma pequena lista de como costuma ser o meu processo de edição na maioria das minhas fotos, deixando algumas dicas pelo caminho.

• Começando por um ditado: “A edição começa no momento do clique”. Não pense que qualquer foto pode ser ressuscitada no Lightroom ou no Photoshop. Tente configurar sua câmera corretamente e já preparar uma composição na hora da foto. Isso vai facilitar muito a sua vida quando sentar no computador e render resultados muito melhores.
• Ainda com a câmera em mãos, se seu equipamento permitir, sempre fotografe em .RAW. “Raw” significa “cru” em inglês, portanto é o tipo de arquivo que menos irá compactar sua imagem depois que ela foi feita no sensor, dando uma liberdade imensa na hora de editar.

Os arquivos .JPG e .JPEG, apesar de ocuparem menos espaço no cartão, já são versões compactadas das suas fotos, isto é, como se a própria câmera editasse um pouco a sua imagem na hora do clique. Esses tipos de arquivos vão limitar muito a sua pós-produção (a luz e as cores irão estourar mais rápido, tudo fica mais artificial, mesmo com níveis menores de alteração nos sliders).

• Agora no computador, a primeira coisa que trabalho é a iluminação (depois de cortar e endireitar a foto na composição desejada). Aumento um pouquinho as sombras e a exposição onde a foto estiver muito escura ou reduzo os realces e a exposição onde estiver muito clara. Também gosto de colocar um efeito de vinheta extremamente leve, apenas para direcionar o olhar para o centro da foto.

• Dependendo da foto, costumo criar máscaras para não aplicar o mesmo efeito na foto inteira. Exemplo: uma máscara para o animal, uma para o plano de fundo e uma para outro elemento da composição (uma flor, pedra etc.).
• Cor é algo que não gosto de alterar muito, justamente para preservar a imagem natural do animal. Porém, às vezes mexo um pouquinho no equilíbrio dos tons (spoiler: o próximo artigo será sobre cores, então não vou me estender muito aqui).
• Eventualmente utilizo o Photoshop para remover distrações (manchas no plano de fundo, galhos e folhas, nuvens etc.), mas apenas em casos que acredito que a foto ficaria infinitamente melhor sem elas. Jamais incluo ou excluo animais da foto e nem altero seus tamanhos, posições ou poses.

• Em fotos que precisei deixar o ISO muito alto para compensar a iluminação baixa, utilizo as novas funções de inteligência artificial do Lightroom para reduzir, de forma leve, o ruído da imagem.

• Por fim, faço ajustes mais minuciosos em partes pequenas da imagem antes de exportá-la como .JPEG. Uma dica legal é injetar um pontinho de luz nos olhos dos animais, dando mais vida e evitando a sensação de estar olhando para um animal empalhado.

Espero que essa discussão tenha mostrado a você novos pontos de vista. Muitas pessoas acabam tendo preconceito com o simples termo “edição”, achando que uma foto foi criada do zero como se fosse uma colagem com várias imagens do Google. Eu mesmo já escutei a fatídica frase algumas vezes: “Com Photoshop é fácil fazer essa foto né…”. Mas, como vimos aqui, existem jeitos e jeitos de editar, cada um com seu estilo, objetivo e dosagem. Críticas são sempre válidas e devem ser levadas em conta na maioria das vezes. Mas não precisamos sair julgando o trabalho dos outros sem saber a história e a finalidade que uma foto (e o fotógrafo) tem por trás.

Muito obrigado pela leitura e fique ligado(a) nos próximos artigos (e mais algumas novidades que ainda não posso contar). Espero por você na semana que vem com um artigo sobre a utilização das cores e a importância delas para uma foto contar uma história. Abraços!

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