Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisadora colaboradora do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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As rodovias podem alterar a abundância e a persistência de populações de animais silvestres, afetando também as interações entre as espécies e, com isso, o funcionamento dos ecossistemas. Espécies interagem de diferentes formas na natureza e a predação é uma delas.
Um estudo recente no Canadá encontrou que a predação de ninhos de tartaruga-pintada (Chrysemys picta) é menor em áreas bem próximas a rodovias do que em áreas mais distantes. Os autores levantaram diferentes hipóteses para explicar isso: (1) a densidade de predadores pode ser menor ao longo das estradas devido a comportamentos de evitamento ou ao atropelamento deles; (2) a configuração espacial dos ninhos ao longo das estradas pode resultar na diminuição da eficiência de busca de predadores pois os ninhos não ficam agrupados e sim linearmente dispostos; e (3) se os predadores percebem a estrada e a presença de veículos como um risco, eles podem reduzir o tempo gasto em busca de ninhos próximos às estradas.
Para testar essas hipóteses, os pesquisadores fizeram um experimento em campo com ninhos artificiais em diferentes cenários e, assim, avaliar as taxas de predação. Os cenários variaram de áreas com e sem estradas e com ninhos agrupados ou dispostos de forma linear. Em cada cenário eram dispostos dez ninhos e esses quatro cenários foram replicados em 15 áreas. Além de avaliar as taxas de predação, o estudo também analisou a relação dessas taxas de predação com a viabilidade das populações de tartarugas-pintadas. Eles queriam entender o quanto os atropelamentos de tartarugas adultas poderiam ser compensados pela redução da predação de ninhos à beira da estrada usando uma análise de viabilidade populacional.
Para entender por que a configuração dos ninhos foi testada, é importante saber que as tartarugas-pintadas fêmeas nidificam em áreas com dossel aberto e solos bem drenados, o que pode resultar no agrupamento de muitos ninhos em áreas pequenas na floresta, onde essas condições de nidificação são limitadas. Em contraste, as margens das estradas fornecem um amplo habitat de nidificação que não promove o mesmo agrupamento próximo de ninhos. Em vez disso, os agrupamentos de ninhos à beira da estrada são delimitados pela área estreita, longa e linear do acostamento da via. Espera-se com isso que a distância média entre dois ninhos na beira de estrada seja maior do que em um local de nidificação dentro da floresta. Isso pode resultar em uma menor probabilidade de um predador encontrar ninhos ao longo de uma estrada.
O estudo encontrou que ninhos na beira de estradas dispostos linearmente tiveram uma taxa de predação 26% menor do que os ninhos em áreas sem estradas e agrupados. Após uma semana, 13,2% dos ninhos foram predados, seguidos por mais 15,4% na segunda semana. Os resultados da análise de viabilidade populacional sugeriram que a predação em uma população de tartarugas-pintadas ao lado da estrada pode compensar o dobro da mortalidade anual de adultos em uma população no habitat original. Em outras palavras, aproximadamente 3% a 6% de atropelamentos anuais de adultos podem ser compensados pela redução da predação de ninhos perto de estradas.
Ainda, o estudo aponta que essa redução de predação pode ser um dos motivos que leva a poucas evidências de efeitos negativos das estradas na abundância de tartarugas (observada em outro estudo), já que as mortes observadas poderiam ser compensadas pela baixa predação.
Seria muito interessante sabermos se essa relação de predação também se aplica para o Brasil e se essa diminuição nas taxas de predação é suficiente para compensar tantas fatalidades nas estradas brasileiras. Um único estudo no sul do Brasil estimou que morreram 789 tartarugas de água doce por ano em uma estrada de 277 quilômetros (2,8 tartarugas/quilômetro/ano). Escrevendo este artigo, me lembrei da foto acima: uma tartaruga tigre-d’água (Trachemys dorbigni) nidificando na beira de uma estrada no Rio Grande do Sul. Além dessa, lembrei também que infelizmente, nesse mesmo monitoramento, registramos muitas tartarugas mortas com ovos. Os ovos não tiveram nem chance de serem predados no ninho: foram atropelados antes.
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