Fauna News entrevista: o biólogo-espião Rodrigo Regueira

Dimas Marques
  • Dimas Marques

    Editor-chefe

    Formado em Jornalismo e Letras, ambos os cursos pela Universidade de São Paulo. Concluiu o curso de pós-graduação lato sensu “Meio Ambiente e Sociedade” na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo com uma monografia sobre o tráfico de fauna no Brasil. É mestre em Ciências pelo Diversitas – Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, onde pesquisou a cobertura do tráfico de animais silvestres por jornais de grande circulação brasileiros. Atua na imprensa desde 1991 e escreve sobre fauna silvestre desde 2001.

    Fauna News
07 de setembro de 2011

O biólogo Rodrigo Regueira é autor de “Caracterização Do Comércio Ilegal De Animais Silvestres Em Dez Feiras Livres Da Região Metropolitana Do Recife, Pernambuco, Brasil.”, seu trabalho de conclusão de curso na Universidade Federal de Pernambuco, em que foi orientado pelo professor do Departamento de Zoologia da UFPE, Enrico Bernard. E para obter as informações que precisava, fingiu ser comprador de aves e,
com uma câmera de vídeo com formato de caneta, filmou o tráfico de fauna. Formado este ano e , o biólogo-espião chegou a conclusões bastante importantes sobre o tráfico de aves na região metropolitana de Recife. Entre elas, o Fauna News destaca:

– para cada animal colocado à venda, outros três morrem ao longo do processo;
– estima-se que, nas  feiras, os traficantes movimentem cerca de R$ 1 milhão por ano;
– a maioria dos compradores são pessoas simples do nosso cotidiano; pessoas que possuem a cultura, herdada do pai ou do avô, de criar passarinho.

Fauna News – O que te levou a escolher o tráfico de animais silvestres como trabalho de conclusão do curso de Biologia?
Rodrigo Regueira – O comércio ilegal de animais silvestres é uma prática muito comum e cultural. A escassez de informações que detalhe, caracterize, quantifique e identifique esses pontos de comércio ilegal e o impacto que essa prática causa na natureza foi o agente propulsor para a elaboração desse projeto de pesquisa como trabalho de conclusão de curso.

Fauna News – Conte um pouco da experiência de entrar nas feiras para registrar em vídeo e contabilizar os animais? Foi difícil? Como você se preparou para isso?
Rodrigo Regueira – O ambiente das feiras varia de uma para outra. Em algumas, o ambiente é bastante aberto e desinibido, são feiras onde você encontra homens, mulheres e crianças. Já em outras feiras, o ambiente é mais desconfiado e com um público específico, predominantemente vendedor-comprador.

Por se tratar de uma atividade ilegal, visitei as feiras de forma discreta, me passando por comprador. Fui com uma câmera escondida em forma de caneta, colocada na gola da camisa, para filmar a atividade (OBS: no final da entrevista há um link para a matéria  “Reflexão para o fim de semana: flagrantes do tráfico de animais em Pernambuco” com algumas imagens gravadas pelo biólogo) e posteriormente identificar e caracterizar as espécies, e com um bloco de notas para anotar as características dos animais e das feiras. A dificuldade de acompanhar essa prática é o horário das feiras, que acontecem nas primeiras horas da manhã, e a desconfiança dos vendedores.

Fauna News – Quais as principais conclusões resultaram desse trabalho?
Rodrigo Regueira – O comércio de animais em feiras livres é tendencioso para aves canoras, principalmente machos adultos. A motivação que leva uma pessoa a comprar um pássaro e o fator que determina o preço das aves é, predominantemente, a beleza do canto desses animais.

A oferta é diversificada e abundante (55 espécies de aves e um jabuti), porém há uma grande pressão nas populações das espécies mais comercializadas (cinco espécies responsáveis por 67% do total de indivíduos ofertados), devido à grande quantidade de animais ofertados.

É uma atividade bilionária no Brasil. Apenas nas oito feiras estudadas, projeções indicam que essas feiras podem movimentar mais de R$ 1 milhão por ano. Sem dúvidas, o principal problema causado pelo esse comércio ilegal é a grande retirada de indivíduos da natureza. Essa pesquisa projetou que entre 33 a 52 mil indivíduos sejam ofertados nessas oito feiras abordadas por ano.

Porém, estima-se que para cada animal comercializado vivo, outros três morreram antes de chegar ao comércio (valor baseado em REDFORD, K. H. (1992). The empty forest. BioScience, v. 42, p. 412-422.). Sendo assim, para 52 mil indivíduos serem comercializados, outros 156 mil morreram no processo antes de chegar aos pontos de venda, um número assustador e que acarreta grandes consequências para as populações naturais dessas espécies.


Papa-capim: a espécie mais traficada
Foto: Carlos Dias Timm

Fauna News – Qual é o perfil das pessoas que compram esses animais? Quais são as suas características sociais?
Rodrigo Regueira – Apesar de não termos dados oficiais sobre o perfil dos compradores, o público é variado. Vai de pessoas muito simples a pessoas com boas condições de vida, sendo quase a totalidade de homens de idade variada. Porém, no ambiente de feira livre, observei que a maioria dos compradores são pessoas simples do nosso cotidiano, (meu vizinho, seu vizinho, o fulano da padaria, o pai do seu amigo, etc.), pessoas que possuem a cultura, herdada do pai ou do avô, de criar passarinho.

Fauna News – É possível perceber uma organização para cometer esse tipo de crime ou o fenômeno é tão comum que se torna uma teia com muitas ramificações, algo pulverizado?
Rodrigo Regueira – Nas feiras livres existe os dois tipos. De um lado há um sistema organizado para essa prática. Os animais são recolhidos da natureza (geralmente por pessoas muito pobres, que buscam na fauna uma forma de aumentar sua renda familiar), são repassados para os traficantes (que se dividem em grandes e médios) e, por fim, chegam aos compradores (alvo final). Por outro lado também existe aqueles vendedores que tomam a feira como referência para vender ou trocar seus pássaros já aclimatizados com o ambiente doméstico.

Fauna News – Quais as consequências para os ecossistemas causados por tão intensa exploração da fauna?
Rodrigo Regeuira – Essa atividade traz grande consequências para os ecossistemas naturais, como o desequilíbrio populacional (já que milhões de animais são retirados das nossas florestas para sustentar esse mercado ilegal) e o sério comprometimento dos serviços ambientais (a maioria dos animais comercializados são grande polinizadores e dispersores de sementes).

Mas a principal consequência é a extinção de espécies. Desconhece-se o real impacto da retirada desses animais de seus hábitats naturais e suas consequências nas populações naturais destas espécies. Porém, a superexploração de espécies é uma das cinco principais ameaças à conservação da biodiversidade.

Fauna News Você viu algum tipo de fiscalização no combate ao tráfico de animais durante sua pesquisa?
Rodrigo Regueira – Em 28 visitas, vi apenas uma ação da fiscalização em uma das oito feiras visitadas. Constata-se que os vendedores possuem uma capacidade muito maior de encontrar formas de permanecer com a atividade ilegal, do que a fiscalização de elaborar maneiras de reprimir e acabar com o tráfico e comércio ilegal de animais na região. Por esta razão, a atividade ainda persiste nos dias de hoje.

Fauna NewsComo você acha que o tráfico de animais tem de ser combatido/desestimulado?
Rodrigo Regueira – É preciso educar as pessoas sobre as consequências maléficas que essa atividade traz ao meio ambiente. A legislação brasileira, em relação às leis que protegem a fauna, é muito bem elaborada; porém, é necessário levar essas leis a sério. Outro ponto, bastante polêmico, que deve ser seriamente discutido, é a legalização, devidamente estudada e controlada, da criação desses animais.

Assim o número de animais retirados da natureza reduziria muito. Existiria o controle dessa retirada, não mais teria essa estatística de que três em cada quatro animais morrem antes de chegar ao comércio, o que,em minha opinião, é o grande problema do comércio ilegal.

Fauna NewsQual a sua expectativa sobre o futuro do tráfico de animais? Tende a aumentar ou diminuir?
Rodrigo Regueira – O comércio ilegal de animais silvestres traz dados preocupantes para o futuro. Se não houver, nos próximos anos, um grande comprometimento por parte do governo e da sociedade para elaborar formas de acabar ou diminuir essa atividade, o futuro de nossas espécies, principalmente de aves, será a extinção.

Fauna NewsVocê é otimista? Pretende continuar a pesquisar e trabalhar com assuntos ligados ao tráfico de animais?
Rodrigo Regueira – Procuro sempre acreditar que tudo é possível, bastando ter comprometimento e seriedade. Se abraçarmos a causa contra o tráfico de animais, é certo que conseguiremos acabar com essa prática. O comércio ilegal de animais silvestres é um tema que sempre me chamou a atenção. Acabei de me formar em bacharelado em Ciências Biológicas com ênfase em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Pernambuco e gostaria muito de trabalhar nessa área. Estou aberto às oportunidades que aparecerem.

Releia as matérias que o Fauna News fez com base em dados do trabalho de Rodrigo Regueira:
– “No Brasil, o tráfico de animais enche gaiolas”, de 12 de agosto de 2011
– “1.039 é o número para Pernambuco”, de 1º de setembro de 2011
– “Reflexão para o fim de semana: flagrantes do tráfico de animais em Pernambuco”, de 2 de setembro de 2011 (vídeo com as imagens gravadas pelo biólogo nas feiras)

Fauna News

Sobre o autor / Dimas Marques

Formado em Jornalismo e Letras, ambos os cursos pela Universidade de São Paulo. Concluiu o curso de pós-graduação lato sensu “Meio Ambiente e Sociedade” na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo com uma monografia sobre o tráfico de fauna no Brasil. É mestre em Ciências pelo Diversitas – Núcleo de Estudos das […]

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