
Por Júlia Beduschi
Bióloga e mestranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
estradas@faunanews.com.br
Muito tem se falado sobre atropelamento de fauna no Brasil e no mundo nos últimos tempos. Com certeza, a temática vem recebendo cada vez mais enfoque na mídia e uma maior preocupação por parte da população. Com isso, há cada vez mais exigências para que o Estado (em qualquer nível) assuma a responsabilidade por gerenciar tal impacto e promova ações para reduzi-lo.
Essa responsabilidade está prevista no artigo 225 da Constituição Federal. A regra é clara: TODOS têm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à COLETIVIDADE o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Já o inciso VII do parágrafo 1° detalha que incumbe ao poder público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Pois bem, agora eu vou falar do que acontece quando o Estado assume sua responsabilidade e contrata um estudo de qualidade para planejar a redução dos atropelamentos de fauna. O caso acontece no Rio Grande do Sul, município de Itati, na Rodovia ERS-486 (Rota do Sol). Há 20 anos a estrada foi construída para que houvesse a ligação da serra ao litoral gaúcho, cruzando por uma área de transição da encosta e da planície onde foi implantada a Reserva Biológica Estadual Mata Paludosa (unidade de conservação que abriga uma grande diversidade de anfíbios, das quais quatro espécies ameaçadas de extinção). É claro que o desenho do traçado da rodovia não levou em consideração o ambiente, apesar de os estudos durante o licenciamento indicarem a área como de maior fragilidade ambiental uma vez que os banhados onde se encontram essas espécies ameaçadas estão a apenas 10 metros da rodovia!
Para a instalação de medidas de mitigação adequadas para a redução dos atropelamentos, deve-se saber quem são os animais atropelados, onde estão os locais das rodovias que há um maior número de mortes e, se possível, o potencial impacto dessas mortes para as populações. Sabe-se por estudos anteriores que os anfíbios são o grupo de maior preocupação na área, mas quais anfíbios? Sapos ou pererecas? Medidas de mitigação desenhados para um desses grupos provavelmente não irão funcionar para o outro, pois eles têm comportamentos de descolamento diferentes. Onde são os locais em que há mais mortes? Será que as pererecas morrem em um local e os sapos em outro? Quais são as espécies que estão morrendo? Será que as espécies ameaçadas estão sendo atropeladas também e podem estar declinando localmente por causa da estrada?
Para responder a essas perguntas, deve-se fazer um monitoramento dos animais atropelados e como os anfíbios são muito pequenos (as vezes do tamanho de uma unha), esse trabalho deve ser realizado a pé. Em estradas de alto fluxo como a Rota do Sol, não há outro jeito que não parando o trânsito, tanto para garantir a qualidade do estudo quanto pela segurança dos pesquisadores (e dos usuários da rodovia).
Esse monitoramento, contratado pelo Departamento de Estradas e Rodagem do Rio Grande do Sul (DAER), está acontecendo na Rota do Sol nos meses de primavera e verão, pois é o período de atividade dos anfíbios, durante sete dias consecutivos por mês. Os bloqueios da rodovia acontecem com auxílio da Polícia Rodoviária Estadual e duram entre 10 a 20 minutos. Esse tempo de parada basta para que os usuários da rodovia, na sua maioria pessoas que estão indo e voltando da praia em carros luxuosos e com ar-condicionado, sejam extremamente mal-educados e violentos com os pesquisadores: xingamentos como “vagabundos”, “bando de sem-serventias”, “vão trabalhar”, “só no Brasil mesmo” e ameaças de morte são ouvidos diariamente no trecho! Inclusive teorias da conspiração tem surgido na internet, dizendo que os pesquisadores são ligados a partidos políticos de esquerda e que estão trancando a rodovia para mostrar quem “manda” no país.
Não sei se as pessoas agem assim por falta de informação (o trabalho realizado saiu em todas as mídias), por total falta de respeito com o próximo ou simplesmente por achar que tudo que acontece no Brasil é ruim e que os profissionais não são capacitados o suficiente para fazerem seus trabalhos. Não tenho dúvida do que está faltando: informação, reflexão, credibilidade e, acima de tudo, RESPEITO.
RESPEITO aos pesquisadores e também à fauna.