
Por Júlia Beduschi
Bióloga e mestranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
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Não sei se por total desinformação minha ou por falta de divulgação, eu nunca tinha ouvido falar. Foi numa viagem ao Chile que tive o primeiro contato com a palavra. Estava pichado em muros “no al IIRSA”. Curiosa, fui pesquisar e qual foi a minha surpresa quando descobri que se tratava de um megaprojeto de infraestrutura envolvendo 12 países da América Latina.
Vamos lá. O IIRSA (Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana) foi criado em 2000, em Brasília, durante a reunião de presidentes da América do Sul. Tem como objetivo desenvolver infraestrutura para a integração física de três setores da economia de todo o sul do continente americano: energia, telecomunicações e transporte.
Esse plano foi baseado num estudo realizado em 1996 pelo ex-presidente da Vale do Rio Doce (atual Vale, maior empresa mineradora do continente). Resumindo, é uma união entre governos para a construção, principalmente, de rodovias e ferrovias para facilitar o escoamento de recursos naturais extraídos. De todos os 581 projetos planejados, 518 (81,15%) são da área dos transportes (rodovia, ferrovia e hidrovia) e desses, 258 (49,8%) são investimentos em rodovias, sendo que mais de 1/3 são construções de novas rodovias.
A iniciativa dividiu a sul-america em dez eixos geográficos (ver figura ao lado), onde cada um possui projetos prioritários. Por exemplo, na Amazônia, o principal objetivo é a construção de infraestruturas de transportes para escoamento da produção de soja e de fornecimento de energia (aqui se encontra a construção da usina de Belo Monte e o complexo hidrelétrico do rio Madeira). Só no eixo da Amazônia existem 21 projetos de estradas e 10 de ferrovias.
Quais são os impactos que essas obras desenvolvimentistas podem gerar na nossa floresta? Aumento do avanço da soja, trazendo mais desmatamento, principalmente, no entorno de parques ambientais e indígenas (como o parque indígena do Rio Xingu), contaminação dos rios trazidos pelas lavouras, aumento da emissão de gás carbônico. Todos esses impactos afetam nossa fauna, mas um dos mais diretos será a imensa carnificina causada pelos atropelamentos nas estradas que irão passar por reservas ambientais em toda Amazônia e Pantanal – biomas de uma biodiversidade única e que abrigam grandes animais, como onças, anta e sucuri.
Isso falando apenas dos impactos ambientais, pois os impactos sociais também são enormes. Indígenas e comunidades tradicionais de toda a América Latina têm protestado contra essas obras e estão sendo duramente reprimidos, principalmente na Bolívia.
Como que a população do continente sul-americano nunca ouviu falar no IIRSA? Porque não é de interesse nem social e nem ambiental que se tenha um maior entendimento sobre todo o projeto. Esse tipo de projeto deveria ser licenciado olhando todo o contexto, mas é mais fácil licenciar e convencer a população obra por obra. O desenvolvimento aqui não é da população e sim de grandes empresas mineradoras, do agronegócio e do setor de energia.