Por Giulia Dorneles Barbieri de Campos
Graduanda em Ciências Biológicas com ênfase em Biologia Marinha e Costeira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalha junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma universidade
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A mortalidade de fauna silvestre ocasionada por atropelamento faz parte de um cotidiano invisível, pois poucas são as pessoas que de fato sabem dos riscos que as estradas oferecem aos animais. A fim de identificar a magnitude dos atropelamentos, pesquisadores realizam estudos que buscam compreender melhor esse cenário.
Através da realização de monitoramentos de fauna atropelada observada na extensão da rodovia, conseguimos chegar a um número de animais atropelados. A figura acima apresenta o que acontece com as carcaças quando amostramos, baseado em estudos realizados através do resultado de monitoramentos e experimentos. Podemos observar que apenas 12% são registradas, 62% são removidas antes mesmo da realização de um monitoramento, 24% não são visualizadas (após a colisão ficam de fora da rodovia) e 2% estavam na rodovia durante os monitoramentos mas não foram encontradas.
Os 24% apresentados referem-se a Baker et al. (2004), que conta as carcaças de raposas no entorno da estrada, e os outros dados são de cachorro-do-mato de um monitoramento e experimento na BR-101.
Os números de atropelamentos que os observadores enxergam nos monitoramentos de fauna não nos mostram a realidade, pois há diversas interferências que impossibilitam chegar a um número real, como as dificuldades de visibilidade em campo (a exemplo da incidência do sol e água da chuva na pista), a dinâmica da estrada (fluxo de veículos, quantidade de faixas da rodovia), o método utilizado para coleta de dados e os erros associados a essa amostragem.
Podemos corrigir os valores observados de animais atropelados quando consideramos erros associados ao processo de monitoramento, como, por exemplo, na detecção e na remoção. A estimativa dessa mortalidade pode ser calculada utilizando os resultados de experimentos em campo de detecção e remoção com o auxílio de ferramentas estatísticas como o Software Siriema e pacotes de linguagem do Software R.
A detecção é a eficiência do observador, que pode ser influenciada pelo método de amostragem (por exemplo, se o trajeto é percorrido de carro ou a pé), condições climáticas, luminosidade, tamanho das carcaças, já abordada no artigo “Quantos animais morrem atropelados naquela rodovia?”.
A remoção das carcaças da rodovia ocorre por conta do fluxo de veículos, da manutenção da via, da interação das pessoas e dos animais com as carcaças ao longo da via (como os saprófagos, que alimentam-se de material orgânico, como animais mortos). O tempo de remoção de animais é diferente, anfíbios podem ser removidos em poucas horas, enquanto mamíferos podem demorar uma semana ou mais para serem removidos. Além da estrutura corporal característica de cada grupo, essa remoção depende também da interferência na decomposição (ou sumiço) dessa carcaça.
Utilizando esses erros (detecção e remoção), conseguiremos estimar melhor a magnitude da mortalidade de fauna ocasionada por atropelamento e chegar o mais próximo do número real desses acontecimentos. Ainda assim, perceberemos que o número observado difere (e muito) do estimado, o que permite concluir que as estimativas são subestimadas, pois esses são apenas dois dos erros associados. Vários outros ainda precisam ser estudados e pensados para que possamos incorporar às nossas análises de dados e nos aproximarmos cada vez mais da realidade.
Esses dados são importantes, mas não suficientes. Os estudos não podem – e não vão – parar. Seguimos buscando encontrar melhores alternativas para contabilizar o número real de animais atropelados e alternativas para que esses números diminuam.