
Por Bibiana Terra
Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente trabalha junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma universidade
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Quem nunca viveu um amor de verão e depois se separou do seu par? O mesmo acontece todos os anos com indivíduos de uma pequena espécie de marsupial, o gambá-pigmeu-da-montanha (Burramys parvus), que ocorre nas montanhas do Alpine National Park, no sudeste da Austrália. Os machos e as fêmeas ficam separados durante quase todo ano para que haja menor competição por alimento e outros recursos. Mas, durante o verão os machos se deslocam para o território das fêmeas e logo após o acasalamento eles retornam aos seus territórios, permanecendo lá até o próximo período reprodutivo.
Mas a história não é tão linda quanto parece.
O habitat dessa espécie tem sido degradado e fragmentado para o desenvolvimento de resorts de ski, pois essa região fica completamente coberta por neve durante o inverno. E para piorar esse cenário, uma rodovia construída entre os territórios de machos e fêmeas passou a impedir que o deslocamento dos machos acontecesse, sendo que essa área concentra mais de 50% da população mundial da espécie.
Tentando salvar esse amor
Com o objetivo de conectar os dois territórios e restaurar a conectividade da população, dois túneis foram construídos embaixo da rodovia. Estudos avaliando a efetividade dessas medidas demonstraram resultados animadores. Um deles, realizado em 1989, demostrou que os gambás usavam as passagens de fauna. Mas será que esse uso era suficiente para restaurar a conectividade da população? Querendo responder essa pergunta, outro estudo (realizado em 2009) avaliou as populações antes e depois da construção dos túneis. Eles demonstraram que a população presente na rodovia sem estruturas de mitigação tinha um tamanho populacional 40% menor quando comparada a uma população não afetada por uma rodovia, porém com a presença dos túneis essa diferença no tamanho da população se torna de apenas 15%. Esses resultados evidenciam que os túneis funcionam para conectar os dois lados das estradas e facilitam reprodução da população, porém não eliminam por completo os efeitos da estrada.
Essa história nos leva a uma conclusão importante sobre medidas de mitigação. Estruturas mitigadoras são necessárias para auxiliar a persistência de populações próximas as rodovias. A aplicação dessas medidas tem se tornado mais comum nos últimos anos, mas pouco se sabe sobre a efetividade delas. Isso porque a maior parte dos estudos avaliam apenas o uso dessas estruturas e, a partir disso, assumem que elas estão sendo efetivas, mas não avaliam de fato se as medidas de mitigação estão cumprindo seu papel.
Os estudos com o gambá-pigmeu-das-montanhas são um exemplo da importância de se avaliar a efetividade. O segundo trabalho concluiu que os túneis são efetivos para restaurar a conectividade entre os territórios de machos e fêmeas dessa espécie, o que foi sugerido pelo primeiro. A diferença entre os estudos é que o segundo avaliou e quantificou a efetividade dos túneis e sua dimensão nas populações da espécie, demonstrando que de fato as medidas estão contribuindo na persistência das populações. A avaliação apenas do uso das passagens demonstra a sua efetividade em nível de indivíduo, mas não evidencia se ela repercute em nível populacional.
Por fim, vale ressaltar que a falta de conectividade é apenas um dos problemas causados pelas rodovias na fauna e que medidas de mitigação devem ser pensadas para cada um dos impactos gerados, devendo ser avaliadas de acordo com os objetivos propostos.