
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
andreaskindel@faunanews.com.br
O encantamento pelos trens está em inúmeras músicas e em nossas memórias de infância. Por isso é quase inimaginável que uma linha tênue de trilhos cortando as paisagens ou que uma composição de locomotiva e vagões, relativamente lenta, infrequente e barulhenta, possa ter algum impacto ambiental. Porém, não resta dúvida que os mesmos efeitos (perda, fragmentação e degradação de habitat e mortalidade direta por colisões) são observados em ferrovias. O que precisa ser investigado e demonstrado é que, como supõe a maioria, a intensidade desses impactos é menor nas ferrovias.
No caso específico das colisões, o conhecimento no Brasil é incipiente. Ums grande quantidade de informações certamente está disponível em documentos produzidos no licenciamento desses empreendimentos que, no entanto, ainda são de circulação restrita, o que precisa mudar urgentemente. Apenas em 2015 foi publicado na Revista de Iniciação Científica da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA-Canoas) o primeiro artigo brasileiro sobre o tema. A equipe de pesquisa do professor Alexandre Cristoff registrou, para pequenos trechos de ferrovias no Rio Grande do Sul, totalizando 27 quilômetros, 52 carcaças de mamíferos, incluindo três espécies regionalmente ameaçadas de extinção. Trata-se, certamente, de uma sub-estimativa, como os próprios autores reconhecem, pois foram poucas repetições da amostragem em cada trecho com intervalos de observação extensos, o que aumenta a probabilidade de remoção das carcaças.
Sim, somente em 2015 temos o primeiro estudo publicado, apenas listando as espécies atropeladas.
Não são tão raras, no entanto, as notícias sobre medidas de mitigação que estão sendo adotadas para evitar a mortalidade de fauna em ferrovias (veja a matéria "Pontos de travessia para animais são instalados em ferrovia de MT", publicada em 19 de novembro de 2014 pelo portal G1), o que é um indício da relevância da mortalidade.
Segundo o Ministério dos Transportes, a extensão da malha ferroviária é 60 vezes menor que a malha rodoviária. Embora de implantação mais cara, o custo de transporte por tonelada ou pessoa em ferrovias é muito mais barato e por isso deveriam substituir milhares de quilômetros de duplicação ou construção de rodovias – afinal o transporte de bens não é uma das justificativas, raramente quantificadas, usadas para promover as duplicações? Precisamos de mais trilhos e trens com certeza!
Mas precisamos saber o que acontece ao longo dos trilhos já implantados para nos anteciparmos e evitarmos ao máximo os impactos dessa infraestrutura! Para os bichos, não basta a plaquinha: piuiiiiii, abra o olho, lá vem o trem!
A Ecologia de Ferrovias também precisa se desenvolver no Brasil.