
Por André Luís Luza
Técnico em Agropecuária, biólogo, mestre em Ecologia e doutorando em Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
luza.andre@gmail.com
Regiões periurbanas demarcam o encontro da zona urbana – sob forte ou moderada influência humana – com a rural – menor densidade humana e com remanescentes de vegetação nativa. Esse gradiente de influência humana resguarda uma porção significativa da biodiversidade, por refugiar uma porção da fauna e flora silvestres tolerantes a distúrbios antrópicos. Ambientes peri-urbanos são também zonas de atrito entre a fauna silvestre e os humanos e seus animais domésticos. Quem nunca foi surpreendido por um animal silvestre atravessando ruas em cidades? Assim, a gestão de zonas periurbanas deve sensibilizar os usuários de rodovias quanto a presença de silvestres e educar para o respeito aos sinais de trânsito.
Creio que a medidas de mitigação propriamente alocadas reduziriam danos a todos os usuários de vias públicas em ambientes periurbanos. Basta ser um motorista atento e percorrer um mesmo trecho com certa frequência para perceber que em alguns lugares os acidentes com animais são mais frequentes do que em outros. Mas, mesmo identificando esses locais, nas rodovias do Brasil os motoristas são praticamente livres para impor velocidades extremas. Instrumentos que promovam uma mudança forçada no comportamento dos condutores, como placas, lombadas, redutores e controladores de velocidade, postos em locais de maior risco, beneficiariam tanto os humanos quanto os animais domésticos e silvestres atravessando vias.
Segundo o parágrafo 6º do artigo 37 da Constituição Federal (1988), “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Uma interpretação ampla (e que pode parecer estranha) incita que as estradas – e seus gestores – seriam os agentes e a fauna os terceiros, deixando claro que esse marco legal é extremamente antropocêntrico (ou seja, desconsidera os riscos para a fauna silvestre).
É também curioso perceber que acidentes com a fauna silvestre não constem no Código Nacional de Trânsito (CNT, Lei nº 9.503 de 23/07/1997), que prevê que as vias deveriam promover a circulação segura de pessoas e animais. Creio que o principal motivo para a mortalidade da fauna não ser considerada como acidente de trânsito do ponto de vista legal seja puramente biológico: a fauna brasileira é majoritariamente de pequeno porte e, portanto, oferece baixa periculosidade considerando risco de morte de condutores por colisão (por exemplo, bater de frente). Tal peculiaridade poderia facilitar a gestão da mortalidade da fauna silvestre em rodovias – já que o maior problema são os atropelamentos (ato de passar por cima) e não as colisões -, mas não é isto que vemos na prática.
Porque raramente vemos sinalização e fiscalização de trânsito adequadas nas regiões periurbanas dos municípios? Quem são os responsáveis pela sua implementação? Eis onde quero chegar, já que pode haver um conflito de competências entre as esferas municipal, estadual, federal e privada para implementação da sinalização quando uma rodovia cruza o perímetro urbano ou contorna um município.
A competência de “Implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário” são atribuídas aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e de direito privado (quando o caso), dependendo da circunscrição da via (Art. 21 e 24 III, CNT). Além disto, “O órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via é responsável pela implantação da sinalização, respondendo pela sua falta, insuficiência ou incorreta colocação” (Art. 90 §1, CNT). Portanto, esses dispositivos sugerem que, independentemente de onde essas vias localizem-se, implantar a sinalização de trânsito em regiões peri-urbanas é dever do poder municipal em vias de jurisdição municipal, estadual em vias estaduais, federal em vias federais, e privado em trechos privatizados.
Assim, as esferas responsáveis deveriam responder administrativamente ou criminalmente pelos atropelamentos devido a negligências na implementação da sinalização de trânsito e a falhas na conscientização dos usuários.
Atropelamentos em zonas periurbanas agravam ainda mais o status de conservação de espécies, até mesmo ameaçadas, que conseguem tolerar a proximidade com as estruturas urbanas e com os humanos (as fotos, por exemplo, ilustram duas importantes espécies da fauna brasileira que foram atropeladas em regiões peri-urbanas dos municípios de Herval e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul). Identificar os responsáveis pela implementação da sinalização de trânsito é um passo inicial para questionarmos se as atribuições legais das esferas são efetivas para a gestão das rodovias. Adicionalmente, serve para conscientizar a sociedade sobre a quem compete a implementação de sinalização de trânsito, indispensável para mudar o comportamento dos motoristas e evitar acidentes fatais envolvendo animais e humanos.