
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
andreaskindel@faunanews.com.br
Para não deixar dúvidas, nesta semana meu tema não são os nobres deputados e senadores. Meu propósito é falar de impactos positivos de estradas sobre a fauna, mais especificamente sobre os rapinantes. Sim, assim como vocês, eu também percebi uma possibilidade de analogia com os deputados, mas vou resistir até onde puder.
Entre outros possíveis impactos positivos de estradas sobre a fauna está a atração de rapinantes diurnos (predadores e carniceiros), que podem se beneficiar da presença das estradas por uma série de mecanismos. Estradas são uma fonte de carcaças e não é raro observarmos gaviões, falcões e urubus rapidamente removendo-as do pavimento ou lentamente devorando generosas porções dos animais maiores. Em paisagens intensamente ocupadas por atividades agrícolas, é comum a faixa de domínio representar a única porção de habitat remanescente ou em recuperação, oferecendo uma densidade suficiente de presas para os caçadores.
Outra razão possível de atração, pelo menos de algumas espécies, é a disponibilidade de poleiros a partir dos quais detectam o recurso alimentar (carcaças ou pequenos vertebrados). Podem ser os postes da rede de distribuição de energia, frequentemente instalada paralelamente à estrada, ou os mourões das cercas que delimitam a faixa de domínio. A inibição de espécies de rapinantes competitivamente dominantes, no entanto mais sensíveis a perturbações oriundas da rodovia – como ruído e alterações indiretas do habitat circundante -, pode ser uma explicação adicional para o aumento da abundância de algumas espécies.
Em um estudo recente realizado na Espanha e publicado na edição de março de 2015 da revista de acesso livre PLOSone, pesquisadores demonstraram que para todas as espécies que foram observadas em número suficiente para serem analisadas (metade das 18 observadas, o que não pode ser desconsiderado) a abundância era maior próximo a estradas. Contudo, para a maioria delas esse efeito decrescia rapidamente com o aumento do fluxo nas estradas. Como esperado, as espécies mais tolerantes a perturbações humanas, ou seja, as oportunistas, foram as mais abundantes e beneficiadas. Por outro lado, as estradas reduziram o habitat para espécies que evitam o tráfego.
Embora seja desonesto não reconhecermos que algumas espécies eventualmente possam ser beneficiadas por estradas, essas exceções não compensam os efeitos negativos diretos e indiretos sobre a imensa maioria da biodiversidade. A busca por argumentos e mecanismos que evitem a construção de estradas inúteis (sim elas existem), injustificadas ou mal concebidas, seja na rota escolhida, na dimensão ou no tipo de pavimentação definida, ou ainda pela não adoção das melhores opções de mitigação, continua sendo a luta a ser travada.
Apesar de alguns rapinantes! (não resisti)