
Por Rubem Dornas
Biólogo, especialista em Geoprocessamento e mestrando em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais na Universidade Federal de Minas Gerais. Integra o Transportation Research and Environmental Modelling Lab (TREM-UFMG) e o Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NERF-UFRGS)
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Quando um animal é atropelado, sua carcaça pode ficar exposta por longos períodos, mas também pode ocorrer a atuação de carniceiros, que a retiram da via para consumo. A questão da remoção de carcaças é recorrentemente citada nos trabalhos em Ecologia de Estradas, embora devesse ser ainda mais explorada. Mas, exceto em casos específicos em rodovias concessionadas, em que existe a obrigação do recolhimento da carcaça, será que existe também a remoção feita por humanos?
Neste mês, um novo estado dos EUA aprovou uma legislação para permitir o consumo de animais mortos por atropelamento. Nem todos os animais podem ser consumidos (basicamente apenas ungulados – veados, cervos, porcos e alces –, apesar de alguns estados permitirem até ursos) e é necessário um tipo especial de permissão que exige que a cabeça dos animais seja entregue ao estado para evitar virarem troféus. A legislação é clara: apenas animais mortos acidentalmente podem ser consumidos e, se houver suspeita de fraude, o cidadão pode ser preso.
O fato é que a prática do consumo de carne de animais atropelados parece bem estabelecida nos EUA, uma vez que existem diversos livros ensinando a cozinhar esses animais e até vídeos explicativos de como carnear uma carcaça de animal atropelado.
Embora seja legítimo aceitar um destino mais digno à carne desses animais, é difícil acreditar que esse tipo de legislação não incentive o atropelamento intencional. Essa questão é complexa e foi recentemente tratada aqui no Fauna News. Alguns estudos apontam que o atropelamento intencional ocorre no Brasil, notadamente para o consumo de tatus. Capivaras e aves, como perdizes, devem ser igualmente vulneráveis a atropelamentos intencionais para consumo. Todavia, no Brasil, as leis são rigorosas e protegem os animais neste sentido.
Por exemplo, o Código de Trânsito Brasileiro estabelece que os usuários das vias terrestres devem “abster-se de todo ato que possa constituir perigo ou obstáculo para o trânsito de veículos, de pessoas ou de animais…”. Além disso, é multa grave “deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito à aproximação de animais na pista”.
Assim, aqui no Brasil não existe qualquer lei que permita o aproveitamento da carcaça de animal atropelado (falamos disso aqui). Em contrapartida, a Instrução Normativa Ibama 154/2007, em seu artigo 26, concede permissão ao recolhimento e transporte de animais encontrados mortos, para aproveitamento científico e didático, o que significa que a carcaça coletada precisa ser destinada a uma instituição científica. Universidades e museus de história natural normalmente têm interesse no recebimento deste tipo de material biológico. Dessa forma, se você ainda estiver com pena de desperdiçar aquela carcaça, é possível contribuir com o progresso do ensino e da ciência, entrando em contato com a universidade mais próxima e levando o animal morto até ela.