
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Algumas praias do Rio Grande do Sul, nessa época do ano, mais parecem estacionamento de shopping center ou pista para aventuras sobre quatro ou duas rodas. Acredito, no entanto, não ser essa uma exclusividade daqui do sul. Não por acaso, essa atividade é proibida, exceto para veículos operacionais como, por exemplo, veículos de socorro, de órgãos ambientais ou de segurança ou usuários explicitamente autorizados pelas prefeituras. No Rio Grande do Sul, a Lei Estadual 9.204 de 1991 proíbe essa prática. Com a aplicação da lei, não está vedado o salutar e reconfortante hábito de ir a uma praia mais erma, sem edificações ou outras urbanidades dominando um dos horizontes, mas só exige uma caminhada (ou pedalada) de algumas dezenas ou centenas de metros, dependendo do isolamento desejado.
Mas por que impedir o trânsito de veículos na praia? A razão mais óbvia é garantir a segurança dos usuários. Afinal, é um dos poucos lugares em que as pessoas não esperam ter que olhar para os dois lados para evitar um atropelamento.
Uma razão não menos importante é evitar danos ambientais, entre eles o afugentamento e atropelamento de fauna. Em um estudo financiado pela Fundação Grupo O Boticário, a ONG Instituto Curicaca desenvolveu um estudo no qual monitorou durante 18 meses o uso das praias por aves e mamíferos costeiro-marinhos e a presença e abundância de veranistas e pescadores, fauna doméstica e veículos, além da ocupação urbana no entorno. Como esperado, praias menos perturbadas e com pequenos cursos d’água que drenam para o mar tinham um maior número e uma maior diversidade de aves, entre elas migratórias e ameaçadas. Essa diferença não só existia entre praias diferentes, mas também numa mesma praia comparando períodos antes, durante e depois do veraneio. Além disso, é relativamente comum, nas praias mais afastadas da urbanização e por isso utilizadas para reprodução de algumas espécies de aves, o registro de filhotes atropelados.
Por determinação do Ministério Público Federal, a partir do final de 2016 houve o bloqueio da circulação de veículos nas praias de Torres e, com a participação de prefeitura local, ONG, Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do RS, Brigada Militar e Conselho Municipal de Meio Ambiente, foi elaborado o “Plano de controle do acesso de veículos motores às praias de Torres”, que inclui uma série de operações de fiscalização para orientar e punir os eventuais infratores com base nas leis de trânsito e ambientais.
A expectativa é de que a resistência de alguns poucos setores, gradualmente, seja substituída pela percepção de que é possível (e necessário) valorizar e promover a persistência de diferentes tipos de praias e veraneios, e que existem praias que podem ser de todos, inclusive da fauna. Mas não dos veículos. Praia não é estrada.
#praiasemcarros