Por Gabriela Schuck de Oliveira
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
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A implementação de asfalto em uma estrada visa o aumento da qualidade daquela via para os motoristas através da diminuição dos estragos nos veículos e do tempo de viagem até o destino. Mas, antes de generalizar os benefícios para todas as rodovias, temos que refletir o objetivo da estrada que irá passar por essa reforma e considerar os malefícios, que incluem, por exemplo, o aumento de fatalidades da fauna silvestre, seja por conta do aumento de velocidade na via ou pelas condições do próprio asfalto.
Uma das estradas que devemos refletir sobre uma possível pavimentação é a MT-060, conhecida popularmente como Transpantaneira. Neste momento, está sendo discutida a sua federalização, em que se promete ‘’melhorias’’ nas condições da rodovia com uma possível facilitação para pavimentação.
A transpantaneira é uma estrada-parque, que inicialmente tinha como objetivo ligar o Mato Grosso com o Mato Grosso do Sul passando pelas cidades de Poconé e Corumbá. Porém, ela não foi finalizada e atualmente é uma estrada voltada para observação da fauna nativa e acesso às fazendas locais. É um trajeto de 147 km que inicia em Poconé e termina na beira do rio Cuiabá, em uma região denominada de Porto Jofre, local muito buscado para o avistamentos de onças-pintadas.
Ao longo do seu trajeto é possível observar muitas espécies típicas do Pantanal e encontrar fazendas voltadas para o ecoturismo, que está aumentando cada vez mais na região e se tornando grande fonte econômica.
Um dos principais argumentos para a pavimentação é que a rodovia fica inacessível para os turistas na época de chuvas. Porém, justamente nessa época ela se torna também um refúgio para a fauna, já que é costume dos animais no Pantanal buscarem ambientes mais secos nessa estação. Com um possível aumento do acesso de veículos na estrada nessa época, ainda mais com condições de trafegar em velocidades altas, o conflito será maior ainda para dividir esse espaço com a fauna.
Também temos que considerar que mesmo oferecendo acesso para os turistas na época da cheia, a estação com maior abundância de fauna continuará sendo a seca, pois é o período de reprodução de diversos animais, da floração de muitas árvores e de alimentação mais abundante para todas as espécies. Sendo assim, certamente não será o asfalto que irá proporcionar o avistamento dos animais durante a cheia.
Os políticos estão prometendo qualidade na via para população e para os turistas, porém estão esquecendo dos impactos que irão causar para a fauna nativa naquele local. Já ocorrem muitos atropelamentos nas condições atuais da estrada, inclusive de animais de grande porte. A possibilidade de aumentar as fatalidades com a pavimentação é enorme. Provavelmente também irá afetar a atratividade para os turistas, pois objetivo do ecoturismo é avistar os animais vivos ao longo da transpantaneira e não mortos na pista. Além do mais, para que o ecoturismo continue em alta, as populações dos animais não podem estar sendo reduzidas.
É importante trazer segurança para os motoristas, mas também para os animais. Evidentemente, a Transpantaneira precisa de melhorias e algumas ações já estão ocorrendo, como as reformas de todas as pontes precárias ao longo do seu percurso.
As pessoas têm que respeitar as condições do local. Não podemos transformar o Pantanal, um local remoto e justamente por isso a fauna ainda está presente, em uma selva de pedra. Trazer modernização através do asfalto é um desrespeito às condições naturais da região. Se as pessoas querem ver animais em condições modernas, no asfalto, podem procurar os diversos zoológicos existentes por aí.
Enfim, não devemos cair na tentação dos discursos políticos. Tudo tem consequências e nesse caso quem irá pagar é a fauna. Ao prejudicar os animais, de uma maneira ou outra as pessoas também irão ser afetadas. Devemos estar sempre de olho nos projetos de leis e audiências públicas e entender os impactos positivos e negativos dos empreendimentos propostos. Temos que realizar o nosso papel nesta democracia, mesmo em tempo difíceis como o atual.