
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
andreaskindel@faunanews.com.br
A votação deste fim ade semana na Câmara dos Deputados evidenciou quão lamacenta é essa instituição. Não estou me referindo ao processo do impeachment, nem ao resultado e tampouco à condição de réus de uma proporção considerável dos intocáveis que compõe a casa. Foi chocante acompanhar (para quem cometeu o despautério de não deixar a TV muda) a incapacidade da imensa maioria de elaborar e manifestar um argumento que sustentasse a ideia e a intenção. Nesse momento, alguns poderiam apenas perguntar: e precisa ter essa conexão?
Por falar em conexão, vocês já devem estar se perguntando o que tem a ver essa conversa toda de deputados lamacentos com rodovias. Pois são essas mesmas pessoas, com pobreza de argumentos e, com certeza, pobreza de compreensão (mas não de intenção) que, após o grande espetáculo, passarão a votar projetos de lei que afetarão decisões com implicações importantes sobre empreendimentos viários.
Tramitam na casa, entre outros, o PL 4429/2016, que trata do rito de licenciamento especial de obras de infraestrutura estratégica, inclusive rodovias, e o PL 466/2015, que trata da mitigação de atropelamentos de fauna. Com grande probabilidade, ambos irão passar, apesar de uma enorme incompatibilidade entre eles. O primeiro simplifica o licenciamento de obras estratégicas (imaginem estradas na Amazônia, só como exemplo) de tal forma que o prazo transcorrido entre a liberação do Termo de Referência e a apresentação dos estudos poderá ser, no máximo, de 60 dias. O segundo obriga a adoção de medidas de mitigação de atropelamentos em empreendimentos viários, decisão que exige estudos que, talvez, até possam ser executados neste prazo exíguo, mas com certeza a qualidade e a efetividade serão temerárias. Faz menos sentido lutar pelo segundo se o primeiro for aprovado, sobretudo, porque o primeiro tem consequências gravíssimas e as ações propostas no segundo estão contempladas em inúmeros outros instrumentos legais (Lei de Crimes Ambientais, Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, resoluções CONAMA, para citar algumas).
Essas contradições e sobreposições só aumentam o lamaceiro da legislação brasileira, o que só facilita a ação dos que gostam de chafurdar em busca de oportunidades e rotas de fuga.
Antes que eu seja mal compreendido, não estou afirmando que devemos abdicar de lutar e nos colocar a mercê da falta de argumentos ou ideias, mas sim afirmando que devemos avaliar e refletir onde colocaremos nossos esforços. Independentemente da posição defendida, o que o episódio da votação do impeachment ensinou é que o Brasil não precisa de mais leis e sim que elas sejam cumpridas.