
Por Júlia Beduschi
Bióloga e mestranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
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475 milhões. Se você já ouviu falar em atropelamentos de animais, provavelmente você já se deparou com esse número. Essa é a estimativa do Centro Brasileiro de Estudos de Ecologia de Estradas (CBEE) da mortalidade de vertebrados silvestres que são vítimas de atropelamentos por ano no Brasil. Agora, você já se perguntou se esse número é muito ou pouco? À primeira vista parece assustador, mas você sabe quantos animais silvestres nós temos no Brasil? Esse número representa 1% ou 100% de toda a nossa fauna? Será que o impacto nas populações de diferentes espécies será o mesmo?
Essas perguntas têm motivado uma nova abordagem nas pesquisas de Ecologia de Estradas. Os levantamentos de números de atropelamentos, por si só, não bastam para revelar qual é o real efeito dessa mortalidade sobre as populações silvestres. Por isso, estudos que estimam a viabilidade populacional de cada espécie têm surgido para esclarecer o que os números de atropelamentos significam. E os resultados são preocupantes.
Um estudo realizado no Parque Nacional de Brasília, pelo Laboratório de Ecologia Aplicada e Conservação da Universidade Federal de Goiás, modelou três impactos sofridos pela população de tamanduá-bandeira (Mimercophaga tridactyla) e o efeito desses impactos na persistência da população ao longo de 100 anos. O endocruzamento (cruzamento entre indivíduos aparentados), o fogo (que ocorre naturalmente nas áreas de cerrado) e os atropelamentos na rodovia que circunda o parque foram os impactos estudados. Os atropelamentos foram, de longe, o impacto mais prejudicial à população de tamanduás: se oito indivíduos morressem atropelados por ano (5% da população) em pouco mais de 20 anos os tamanduás estariam extintos do parque. Enquanto o endocruzamento e o fogo não levariam à extinção da população (ver gráfico).
Outro estudo populacional realizado com antas (Tapirus terrestris) no Parque Estadual Morro do Diabo (SP), pela Iniciativa Nacional para Conservação da Anta Brasileira (INCAB), modelou a viabilidade populacional das antas, utilizando dados reais de atropelamentos. Dentre os anos de 1996 a 2006, foram encontradas em média seis antas atropeladas por ano, sendo que apenas no ano de 1998 oito antas foram mortas atropeladas. Utilizando essa mortalidade, eles estimaram que, em apenas 38 anos, as antas não existirão mais no parque devido aos atropelamentos.
Os estudos de viabilidade populacional têm nos mostrado a real magnitude do efeito dos atropelamentos, principalmente em mamíferos de médio a grande porte. Não precisamos de 475 milhões para ficarmos estarrecidos. Meia dúzia de mortes já basta para assistirmos a olhos vivos a extinção de espécies da nossa fauna.