
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Minha perplexidade e indignação são tão grandes que eu não consegui resistir à necessidade de escrever sobre esse tema. Qual o tema?
A famigerada PEC 65/2012 que tem texto, justificativas e parecer na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), este último do senador licenciado e hoje ministro da Agricultura Blairo Maggi, que beiram o patético, mas que tem lógicas subliminares óbvias (todos os documentos estão disponíveis neste link). Pela proposta, insere-se o parágrafo sétimo no artigo 225 (o que trata do ambiente), que propõe que uma obra não poderá ser interrompida ou cancelada depois da entrega do Estudo de Impacto Ambiental. Isso mesmo, somente a entrega, sequer a análise. Seria o fim do licenciamento?
Mas não foi isso que me deixou mais perplexo – eu sei, já seria mais do que suficiente! O que é ultrajante é que propostas de tamanho impacto sejam acompanhadas de justificativas apenas retóricas e de um parecer que apenas às repete, quando avalia o mérito. Nada além disso! Nenhuma qualificação técnica que demonstre ser a proposta uma necessidade; apenas senso comum. Senso comum de usurpadores do patrimônio ambiental brasileiro, de todos os brasileiros. Em resumo, nas palavras dos proponentes e do relator, o frequente questionamento judicial das obras, e consequente interrupção das mesmas, compromete a credibilidade dos membros do executivo (e, portanto, a possibilidade de novas eleições) e a própria democracia. Além disso, mais uma vez, colocam na conta das questões ambientais litígios que, via de regra, são motivados por questões administrativas e econômicas. Nas entrelinhas há certamente o voraz interesse na celeridade das grandes obras (rodovias, hidrelétricas e outras infraestruturas) que abrem as fronteiras para a expansão da ocupação, regular e irregular, de novas terras.
É a velha lógica da expansão se sobrepondo à eficiência! As obras nas esferas municipais são apenas a cortina para os verdadeiros interesses.
São inúmeros os questionamentos de ordem jurídica, incluindo do MPF que sustenta a inconstitucionalidade da proposta. Aliás, não deveria ser essa a reflexão que seria esperada por um relator de CCJC? Talvez a biografia do relator explique as razões de não tê-la feito.
A PEC 65 está associada a um conjunto de outras iniciativas, aparentando uma ação coordenada, de ataques à legislação que ordena o licenciamento, que vão do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), às assembleias estaduais, passando pelo Congresso Nacional (já comentadas parcialmente na coluna “O lamaçal e as estradas”)
Enquanto estamos atônitos e lutando contra a carnificina que se observa nas rodovias, lutando pela aprovação de leis que garantam a adoção de medidas para sua mitigação, ou melhor que isso, lutando para que a legislação já consolidada seja aplicada com qualidade por empreendedores, consultores e analistas, surgem iniciativas como a PEC 65, que simplesmente sepultam ou roubam a única arena disponível para evitar e mitigar os impactos destas infraestruturas: o licenciamento ambiental.
O que fazer?
Preciso pensar… Pelo menos até a próxima coluna!
PS: essa coluna é sobre estradas e fauna. Nem sempre falarei da fauna silvestre. Às vezes, preciso estender um olhar à fauna de Brasília ou outros centros de poder. Infelizmente o destino da fauna silvestre é muito dependente dessa fauna urbana.