Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Os animais atropelados são as vítimas mais chocantes do tráfego nas rodovias. Mas o tráfego pode promover inúmeras outras alterações ambientais. Embora o efeito da poluição sonora de rodovias seja conhecido há muito tempo, recentemente vem sendo divulgado um conjunto de pesquisas que lança mão de uma estratégia bastante criativa: as estradas fantasmas.
Na realidade nunca existiu estrada alguma. Os pesquisares utilizam alto-falantes para reproduzirem o ruído provocado pelo trafego de uma rodovia e observam as respostas de indivíduos e populações das aves.
Trata-se de uma abordagem experimental muito elegante, pois permite separar o efeito do ruído de todos os outros potenciais efeitos de uma rodovia. O experimento foi montado em um local importante como área de descanso e recondicionamento corporal (ganho de peso) de aves migratórias, um grupo de aves que inclui várias espécies em declínio e ameaçadas.
Em um estudo publicado em 2015, os autores já haviam demonstrado que 1/3 das espécies de aves que ocorriam naquela localidade evitavam o trecho com ruído e que aquelas que permaneciam no local não ganhavam peso com a mesma eficiência. A razão desta última alteração pode ser percebida neste vídeo. Na presença do ruído, a pequena ave altera completamente o seu comportamento, deixando de se alimentar em toda a área disponível e ficando muito mais alerta. Ou seja, ambientes expostos a ruído, ainda que fisionomicamente íntegros, perdem a qualidade para uma importante parcela das aves.
Em artigo publicado agora em 2016, os mesmos autores vão além e demonstram que esses efeitos, embora afetem todas as idades, são mais severos em aves nascidas no ano do estudo do que em aves mais velhas, alterando a estrutura etária das populações.
O Brasil é um pais megadiverso em aves e anfíbios, dois grupos fortemente afetados pela poluição sonora, como evidenciam esses e inúmeros estudos, contudo esse impacto nunca foi estudado ou considerado nos licenciamentos de rodovias. Sobretudo em rodovias a serem construídas, considerar esses impactos significa desenhar a rota da rodovia evitando ambientes e espécies mais sensíveis. Em rodovias já instaladas temos um grande desafio para mitigação. Quando isso não for possível, a compensação tem de ser dimensionada.
Embora invisível, a poluição sonora não pode mais ser ignorada.