
Por Júlia Beduschi
Bióloga e mestranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
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A abertura de uma estrada não só facilita o deslocamento de pessoas de um ponto a outro, mas também facilita o acesso a lugares antes inacessíveis. A consequência dessa facilitação é a garantia de uma oferta de terras para serem exploradas, criando uma colonização nas margens da estrada por pessoas. Assim, a estrada se torna um vetor de desmatamento.
Imagine você procurando uma terra fértil para plantar. De repente se abre uma rodovia que ao longo dela tem uma infinidade de terras não ocupadas e boas para a agricultura e para a pecuária. Perfeito! Com certeza você não será o único e outras pessoas ocuparão as margens da estrada. Quanto maior o número de pessoas, maior será o vilarejo, mais espaço será preciso e mais estradas marginais irão se abrir. Esse é o famoso desmatamento em forma de espinha de peixe causado pela abertura de uma nova estrada (ver imagem abaixo). Imagine essa situação no meio da Amazônia, onde a diversidade e riqueza de espécies é altíssima, assim como a pressão antrópica em busca de terras para o extrativismo e a agropecuária.
Vendo o desmatamento quase incontrolável da Amazônia, e preocupados com a reconstrução da rodovia BR-319 que liga Manaus a Porto Velho, um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) fez um estudo prevendo o aumento do desmatamento e o aumento da emissão de CO2 (gás carbônico) caso a estrada seja aberta e asfaltada. Eles modelaram cenários onde há a construção da rodovia e cenários onde tentam mitigar os impactos criando unidades de conservação (UC). Os cenários são: (1) sem a construção da BR-319; (2) com a construção da BR-319, (3) igual ao item 1, porém com a criação de unidades de conservação, (4) igual ao item 2, porém sem a criação de unidade de conservação.
Os modelos demonstraram um aumento de desmatamento de 130% na Amazônia até o ano de 2030 caso a estrada seja reaberta e de 108% se houver a criação de unidades de conservação. A emissão de CO2 aumenta em 53% devido à construção da BR-319 e em 19% considerando a criação de unidades de conservação. Os resultados mostram que, embora a criação de áreas protegidas diminuir um pouco o desmatamento total e a emissão de CO2, o impacto da estrada é tão severo que apenas a criação de UCs não parecem ser satisfatórios para a minimização de danos.
Os impactos causados pelas estradas vão muito além do impacto direto, como o atropelamento de fauna. As estradas são um importante vetor de desmatamento e também a causa de vários outros efeitos associados, incluindo o aumento da emissão do CO2, gás causador do famigerado efeito estufa. Será que com esse argumento conseguimos convencer os órgãos planejadores e a sociedade de que as construções de rodovias, assim como a avaliação da sua necessidade, devem ser mais bem planejadas?