Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
estradas@faunanews.com.br
Muitas das nossas colunas foram dedicadas à chocante carnificina que ainda acontece diariamente nas nossas estradas pelo atropelamento da fauna. Mas essa é apenas a face mais visível dos impactos dessas infraestruturas e o golpe derradeiro nas populações animais depauperadas pela redução e fragmentação dos seus habitats.
Não há dúvida que o efeito mais danoso das estradas sobre a fauna é indireto: a conversão de ambientes até então inacessíveis ou pouco antropizados em plantações, pastos, aglomerados urbanos e outros usos simplificadores e homogeneizadores do ambiente. Algo que está sendo plenamente documentado na Amazônia e precisa ser combatido, pois se mostra pouco inteligente para a resolução dos problemas econômicos e sociais brasileiros e um enorme dano para a biodiversidade e o clima.
Nas regiões já fortemente colonizadas e com redes viárias adensadas, a mitigação da mortalidade da fauna nas estradas e a recuperação da conectividade entre os remanescentes de vegetação pouco antropizados são, sem dúvida, uma prioridade. Mas no norte, o que precisa ser combatido é o primeiro corte, ou o tumor original (e não suas metástases). Essa é a mensagem de um vídeo recentemente lançado pela ALERT. São dois minutos nos quais os autores vão além da simples analogia de estradas com o câncer: eles sustentam que as mesmas abordagens propostas para combater os tumores também precisam fazer parte do espectro de estratégias para combater o primeiro corte, o eixo rodoviário que dará origem a todos os processos secundários de ocupação.
A mensagem é forte e controversa, mas ela é importante porque contradiz a analogia predominante que compara as estradas ao sistema vascular que nutre o organismo, também válida. O que o vídeo chama a atenção é que, em determinadas regiões, esse mesmo sistema vascular é um tumor e difusor de metástases. Combater o primeiro corte é nossa melhor oportunidade para evitarmos, mais adiante, a torturante tarefa de contar e juntar carcaças de animais nas estradas, num esforço hercúleo de tentar dar alguma esperança de persistência ou recuperação das populações animais em declínio, o sintoma terminal do câncer.
Nenhuma estratégia é mais nobre do que a outra, mas é certo que todas precisam acontecer agora. O diagnóstico precoce, que é o que o vídeo se propõe a fazer, continua sendo a melhor opção para o combate do câncer.