
Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga e mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É doutoranda em Ecologia na mesma universidade, trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF-UFRGS)
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Algumas colunas já foram inspiradas no fenômeno de alguns animais serem encontrados mortos intactos em estradas, ou seja, eles morreram, mas não foram atropelados. A Fernanda Zimmermann Teixeira já levantou o caso dos anuros (rã-manteiga) em uma estrada no Rio Grande do Sul e eu já escrevi sobre as aves que possivelmente sofrem com o deslocamento de ar.
Hoje quero trazer um outro assunto que me chamou bastante a atenção. Entre os diversos trabalhos que foram apresentados no I Congresso Iberoamericano de Biodiversidade e Infraestrutura Viária (CIBIV), havia um que relacionava infraestruturas lineares e invertebrados. Apenas um trabalho com essas incríveis criaturas, que, por serem pequenas, são ainda negligenciadas no âmbito da área de ecologia de rodovias (o Andreas Kindel mesmo já escreveu aqui sobre o impacto de estradas nos insetos). Mas o que esse trabalho também tinha de legal era que além de abordar aranhas, relacionava-as com ferrovias!
Durante cinco anos, percorrendo um trecho de mais de 800 km, os pesquisadores encontraram 360 aranhas da família Theraphosidae (mais conhecidas como caranguejeiras ou tarântulas) entre os trilhos da Estrada de Ferro Carajás, no norte do Brasil. Desses 360 animais, 63 estavam vivos e 297 estavam mortos e intactos!
O trabalho intitulado Movimento de tarântulas em uma ferrovia brasileira, apresentado por Rubem Dornas, da empresa Amplo Engenharia e Gestão de Projetos, e seus colaboradores, relacionou o encontro desses animais com o seu comportamento. Eles encontraram muito mais machos do que fêmeas, principalmente no período chuvoso, que coincide com o verão. Machos de aranhas, assim que atingem a idade reprodutiva, tendem a se deslocar mais para ir em busca de parceiras. Como esse período é curto e os machos praticamente param de se alimentar, essa atividade tem um custo muito grande para os indivíduos, que acabam por morrer ao final do período reprodutivo. Os pesquisadores sugerem, então, que os animais encontrados nessa ferrovia passaram pelo processo normal de movimento associado à reprodução, mas que mais estudos são necessários para desvendar o que está por trás dessas mortes.
Mas porque as aranhas chegam à ferrovia? São atraídas? Será mais fácil se deslocar linearmente com ajuda do trilho? O formato do trilho permite que aranhas atravessem ou formam uma barreira? Além disso, e talvez mais importante em termos populacionais, será que as aranhas ao chegarem ao trilho já se reproduziram? Essas perguntas surgiram na minha cabeça assim que vi esse trabalho. Perguntas relacionadas ao movimento dos animais me intrigam e nos fazem pensar em caminhos a seguir e assuntos que devemos dar mais atenção.
Trabalhos como esse esclarecem e trazem à tona assuntos pouco explorados, mesmo para quem trabalha com animais e estradas/ferrovias!