
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
andreaskindel@faunanews.com.br
Essa afirmação é ouvida com muita frequência por qualquer um que esteja propondo estruturas de mitigação da mortalidade de animais silvestres em rodovias, como por exemplo, passagens de fauna inferiores. Não estou falando das pontes ou bueiros associados a cursos d'água que são estruturas obrigatórias e que, para cumprirem também um papel de corredor de fauna, passam por alguma pequena adaptação, com custo insignificante. São ótimas soluções! Mas estou falando de estruturas especificamente voltadas para reduzir as mortes e/ou favorecer a conectividade.
Essas estruturas podem ter a mesma configuração que as anteriores (pontes ou bueiros adaptados), mas sua função e localização são distintas e constituem adições ao projeto de engenharia. Dependendo do contexto, as passagens de fauna podem ser recomendadas em número razoável e, por isso, a resistência do empreendedor (e eventualmente até a desconfiança da sociedade) geralmente é grande.
Acontece que colisões de veículos com a fauna silvestre de maior porte, como capivaras, tamanduás, antas, veados, entre outros, podem causar danos ao veículo que podem requerer recursos financeiros consideráveis para seu reparo.
É lógico pensar que o benefício de evitar colisões, promovido pelas estruturas de mitigação, pode, na verdade, ser uma solução muito barata, dependendo da frequência que esses acidentes acontecem em determinados trechos da rodovia. Mas quantos acidentes são necessários para compensar o custo de implantação de uma dessas estruturas?
Essa foi exatamente a pergunta elaborada por Marcel Huijser, pesquisador de Ecologia de Estradas sediado em Montana (EUA) e pela pesquisadora e então doutoranda da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP) Fernanda Abra e seus demais colaboradores em um artigo publicado em 2013 na revista Oecologia Australis. Simplificando, os autores estimaram o custo médio de reparo de um veículo Gol que tenha colidido com uma capivara e o custo de quatro diferentes combinações de estruturas de mitigação (três tipos de passagens inferiores com e sem cercas direcionadoras, similares às ilustradas no vídeo da matéria "Pesquisa da USP mostra importância das passagens de fauna nas rodovias", publicada em 8 de abril de 2013 pelo portal G1) ao longo de todo o seu tempo de operação (assumido como sendo 75 anos). A conclusão foi que sempre que o número de colisões com capivaras é superior a 5,4 indivíduos/ano, os benefícios econômicos são superiores aos custos. Essa condição foi observada em inúmeros trechos nas rodovias paulistas por eles avaliadas nessa análise de custo-benefício.
É importante salientar que neste estudo há inúmeros fatores que subestimam os benefícios de implantação das estruturas de mitigação. Embora carros populares, como o modelo Gol utilizado no estudo, sejam numerosos, eles não devem somar mais do que a metade dos veículos circulando nas nossas rodovias e os custos de reparo dos outros modelos certamente são superiores. Os agravos de saúde e as mortes catapultarão os custos destes acidentes. E para não alongar demais a lista, os custos indiretos das eventuais interrupções ou retardamentos de fluxo na rodovia também podem ser consideráveis.
Quando o compromisso ético, o imperativo legal e as evidências ecológicas não forem argumentos suficientes para sustentar a necessidade da implantação das estruturas de mitigação, a razoabilidade econômica, ao contrário do que argumentam os resistentes, parece ser a nossa melhor ferramenta de convencimento. Quando até isso falha, sempre temos a possibilidade de acionar o Ministério Público, na minha experiência, um excelente mediador desse tipo de conflito.