Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga e mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É doutoranda em Ecologia na mesma universidade, atuando no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF-UFRGS)
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A criação em cativeiro de espécies ameaçadas para posterior soltura na natureza é uma estratégia para tentar manter viáveis as populações de animais silvestres. Entretanto, essa estratégia que pode ser eficaz para uns, pode trazer o risco de os animais não conseguirem sobreviver quando forem soltos.
Muito ainda tem que ser discutido sobre esse assunto. Mas hoje quero trazer essa discussão para o contexto das estradas. Um artigo publicado na Scientific Reports mostrou que quanto mais gerações uma espécie fica em cativeiro, maior a chance de os animais serem atropelados depois da soltura.
Os autores trabalharam com indivíduos criados em cativeiro de diabo-da-tasmânia (Sarcophilus harrisii), que foram soltos em dois lugares na Ilha da Tasmânia. Os diabos-da-tasmânia são marsupiais carnívoros noturnos endêmicos dessa ilha que sofreram muito com a caça no início da colonização europeia. As populações de diabo-da-tasmânia eram consideradas estáveis depois de muitos anos de recuperação até 1996, quando pela primeira vez foi registrada uma doença tumoral contagiosa que assola as populações brutalmente até hoje. Por isso, atualmente, eles são considerados ameaçados de extinção pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) e há uma iniciativa do governo australiano para salvar a espécie.
O estudo citado acima acompanhou a soltura de 69 diabos-da-tasmânia, dos quais 50 tiveram sua morte confirmada ao final do estudo. Destas 50 mortes, 19 foram por atropelamento. Ainda mais dramático é que todos esses atropelamentos aconteceram nas primeiras seis semanas de vida livre. Os autores relacionaram a idade, o sexo e o número de gerações em cativeiro de cada um dos animais com a probabilidade de ele ser atropelado e concluíram que o número de gerações em cativeiro foi a única variável relacionada à chance do animal ser atropelado. Os autores refinaram as análises, excluindo os animais que estavam em cativeiro, mas que nasceram livres, e concluíram que os impactos negativos do cativeiro já aparecem mesmo na primeira geração e se acumulam à medida que as gerações aumentam.
Esse estudo traz importantes recomendações para programas de criação em cativeiro dessa espécie. Os autores salientam que os programas devem soltar os animais na natureza o mais cedo que puderem e que devem tentar minimizar o número de gerações em cativeiro. Os atropelamentos já são umas das maiores ameaças aos animais silvestres de vida livre. Agora ainda precisamos pensar que as medidas que tomamos para salvá-los podem ter severas consequências para sua posterior sobrevivência na natureza.