
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
estradas@faunanews.com.br
O cardeal, as pombas e outras aves, o tatu, os porcos-do-mato, antas (onde ainda existem) e tantos outros estão entre os bichos que são ou potencialmente são (afinal, não sabemos ao certo) atraídos pelos grãos que se depositam ao longo de ferrovias e rodovias por todo o Brasil.
Tristemente, alguns dos animais que sobrevivem à dilaceração dos seus habitat pela expansão da fronteira agrícola, aparentemente, são atraídos pelas migalhas perdidas nas ferrovias e rodovias e acabam morrendo nessas armadilhas. Para muitas espécies, provavelmente, os potenciais benefícios populacionais de obter recursos abundantes não suplantam as muitas mortes decorrentes da sua exploração.
Embora não tenhamos estudos específicos avaliando a associação entre grãos na beira de estradas e mortalidade de fauna, quase todos os autores que realizaram estudos de mortalidade sugerem essa relação. O único estudo brasileiro que conheço que investigou algum efeito da deposição de grãos foi realizado em uma ferrovia que transpõe remanescentes de Mata Atlântica no Paraná e não encontrou associação entre a abundância de grãos e abundância de pequenos mamíferos.
Em um estudo publicado agora em outubro e realizado em um trecho de ferrovia que corta uma importante unidade de conservação no Canadá, os autores estimaram que 110 toneladas ao ano são depositadas em 134 quilômetros de ferrovia. Suspeita-se que ursos, uma espécie emblemática da região, podem ser atraídos por grãos; sabe-se que a principal causa de mortalidade dos ursos na região é a colisão com trens e que no trecho estudado estão vários locais de agregação de mortalidade. É possível, mas não foi demonstrado, que a causa última dessas mortes sejam os grãos depositados naquela ferrovia. Resumindo: podemos até ter observações esporádicas de animais ingerindo grãos e indivíduos mortos em locais de acúmulo de grãos, mas não sabemos ao certo, até hoje, qual a magnitude da mortalidade decorrente da atração originada por esse recurso.
A questão é: devemos esperar pelas evidências mais sólidas para tomar uma atitude?
Sem dúvida a abordagem mais sensata e viável para mitigar os danos dessa "hemorragia" de grãos em nossas estradas é melhorar a vedação dos compartimentos de carga, seja de vagões ou caminhões. Larissa Oliveira já chamou a atenção para o problema e possíveis soluções no artigo Não precisa colidir para matar, publicado em 27 de outubro de 2016, e já existem empresas estabelecidas nas regiões produtoras de grãos dedicadas a reparar carrocerias para evitar a sangria de grãos.
Não sabemos exatamente a fração da mortalidade de fauna em ferrovias e rodovias decorrente dessa causa, mas sabemos exatamente o que fazer.
Sejamos mais eficientes e pró-ativos!