
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Agora em novembro de 2016, foi publicado um artigo na revista de acesso livre PLOSone que certamente interessará muito aos empreendedores, licenciadores e consultores ambientais, ou seja, os que planejam, avaliam e monitoram as rodovias e se esforçam (ou deveriam) para mitigar os seus impactos. Interessa mais ainda à fauna silvestre!
Qual dos quase 40 tipos de medidas mitigadoras (número citado no artigo) deve ser escolhido? Como expressam os autores do artigo, essa é uma dúvida pertinente, pois o custo das alternativas é muito variável e existem poucas informações sobre a efetividade das medidas, ou seja, quanto da mortalidade do grupo alvo (anfíbios, répteis, mamíferos grandes ou pequenos) elas reduzem.
Com base em 50 trabalhos (artigos, teses, anais de congressos e relatórios técnicos) que avaliaram a efetividade de diferentes estruturas de mitigação e que se enquadraram nos critérios de inclusão, os autores procuraram responder a três perguntas: (1) em que medida as alternativas de medida de mitigação diferem na efetividade?, (2) a efetividade de uma mesma medida de mitigação difere entre grupos animais? e (3) em que medida o tipo de desenho amostral afeta a estimativa de efetividade das diferentes estruturas?
Antes de avançar para as principais conclusões do artigo, cabe uma pequena reflexão motivada por um outro artigo, publicado em dezembro de 2016 na PLOSbiology, também de livre acesso, que trata da barreira da língua (o inglês) para o transito da informação de relevância para a conservação. Ainda que, muito provavelmente, seriam poucos os estudos brasileiros – ou de outros países disponibilizados nas suas línguas oficiais – que atingiriam os critérios de inclusão (desenho amostral robusto, tamanho de amostra mínimo e disponibilização de estimativas de incerteza), é notável o viés desse tipo de revisão para estudos de língua inglesa, quase que exclusivamente do Hemisfério Norte. No caso do estudo sobre mitigação publicado na PLOSone, somente 1 dos 50 estudos foi na Oceania e nenhum na África, Ásia ou América do Sul. Que prejuízo isso traz?
Segundo os autores do artigo da PLOSbiology, essa potencial barreira prejudica o fluxo da informação nos dois sentidos. O prejuízo mais óbvio é a não inclusão de informações de regiões onde o uso da língua inglesa é incomum em compilações que pretendem ser globais. O prejuízo provavelmente mais importante é a não apropriação da informação publicada em inglês por quem toma decisões de conservação em escala local ou regional. Ironicamente essa coluna está baseada em dois textos potencialmente influentes, publicados em inglês. Serão lidos?
Voltando ao estudo da efetividade da mitigação, a principal conclusão da revisão é que não há estudos suficientes, com qualidade, que permitam responder às perguntas que eles se propuseram e cujas respostas são essenciais para os tomadores de decisão. Para obtê-las, é fundamental que os estudos passem a adotar desenhos amostrais que obtenham dados de mortalidade de fauna nas estradas antes e depois da implantação de medidas de mitigação, em áreas que recebem as estruturas e áreas controle. Usualmente são usados desenhos que só avaliam áreas com mitigação e áreas controle e que geram resultados muito menos confiáveis. Recomendam também que a duração dos estudos seja no mínimo de dois anos antes e dois anos depois das medidas e no mínimo em 4 sítios. Está aí a receita esperada, sustentada pelas melhores evidências, para ser incorporada aos processos de planejamento (e não só a partir da requisição da licença prévia) dos empreendimentos. Qualquer coisa diferente é desperdício de recursos, pois resulta em decisões de alto risco. Em síntese, com abordagens mais simples e de curta duração, estaremos fingindo que estamos fazendo algo de relevância.
Ok, mas o que funciona? Considerando apenas grandes mamíferos, para os quais havia um número suficiente de estudos que se enquadravam nos critérios, ficou evidente nessa revisão que medidas baratas – as preferidas – como os refletores, reduzem apenas 1% da mortalidade. Possivelmente o mesmo é válido também para as sinalizações verticais e horizontais. Por outro lado, apesar de variações entre localidades, as cercas reduzem “globalmente” em 54% a mortalidade e isso não muda se associadas com passagens ou não. Só a instalação de passagens, sem as cercas, não trouxe mudanças na mortalidade.
Há muito mais nesse artigo para ser aproveitado, seja como orientação para a mitigação, seja como orientação para normatizar os monitoramentos durante o licenciamento e preencher as inúmeras lacunas de conhecimento destacadas pelo artigo.
Adoramos inventar alternativas, poucas vezes nos damos o trabalho para avaliar, adequadamente, se elas funcionam. Dez passagens de fauna, das pequenas, financiariam um bom estudo de monitoramento que orientaria a decisão sobre outras mil, a serem espalhadas pelo Brasil. Sem planejamento adequado, cada nova duplicação ou pavimentação é uma oportunidade perdida e milhões de reais desperdiçados e persistência de uma chacina que envolve milhões de vidas.