Por Talita Menger Ribeiro
Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Muita coisa mudou na nossa rotina ao longo das últimas semanas; não só na nossa, mas nas de pessoas do mundo inteiro. O mundo está andando em um novo ritmo desde que o novo coronavírus surgiu e se espalhou pelo globo. O cenário é bastante complexo e muitas vezes triste, mas ele pode ser inspirador e criar oportunidades para pesquisas e reflexões.
Sabemos, por exemplo, dos inúmeros esforços de cientistas para medir e diminuir o impacto do ser humano nos ecossistemas do planeta. Qual seria o melhor momento para entender como a nossa presença e comportamentos afetam rios, animais, unidades de conservação e qualidade do ar se não quando estamos menos presentes? O momento que permite uma comparação do antes (muitas pessoas em atividade) com o agora (poucas pessoas em atividade).
Algumas diferenças já foram reportadas e vistas de longe, como é o caso das emissões de gases poluentes que podem ter sido diminuídas na Itália e em outras partes do mundo durante a quarentena. As imagens e as reportagens, como as veiculadas pela Folha de S. Paulo e pela BBC, mostram um pouco disso. aqui. Cientistas veem também uma oportunidade de comparação do efeito do turismo nos parques nacionais da Indonésia, que normalmente recebem uma grande quantidade de visitações turísticas e agora estão sendo fechados por conta da pandemia.
Essa redução do número de pessoas em todos os lugares também se reflete numa diminuição no número de veículos trafegando, seja dentro das cidades ou em rodovias. Em alguns países já foram registradas reduções de 30% e de até 65% (caso da Itália) no tráfego de veículos em rodovias. Esse fenômeno pode resultar em menor número de animais atropelados e esse novo cenário mundial poderia ser a oportunidade para estudar melhor essa relação.
Pensando nesse comparativo de redução de tráfego e partindo de algumas ideias discutidas no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF), vou compartilhar uma simulação que eu e minha colega Larissa Gonçalves fizemos. Nós pegamos o fluxo atual de veículos de uma rodovia estadual no Rio Grande do Sul (RSC287) para fazer um exercício de como diferentes cenários de redução de tráfego poderiam afetar a probabilidade da colisão de veículos com animais. Esse fluxo foi baseado em um único mês, que teve um total 372.693 veículos registrados para o trecho. Para o exercício, utilizamos uma fórmula proposta por alguns autores para calcular a chance de um animal cruzar a rodovia com sucesso. Nesse cálculo, utilizamos a largura média dos veículos (1,8 metro) e um animal hipotético com comprimento médio de 65 centímetros. Na figura abaixo, ilustramos algumas espécies com essa dimensão aproximada e suas velocidades de deslocamento ao atravessar uma estrada.
Criamos, então, cenários também hipotéticos de redução de 10%, 30% e 50% do fluxo atual.
O resultado desse exercício nos mostra que a redução do fluxo reduz a probabilidade de colisão, e que fluxos maiores exigem que os animais atravessem a rodovia em maior velocidade para manter a probabilidade de colisão mais baixa. É claro que o fluxo de veículos e a velocidade da travessia dos animais não são as únicos fatores relacionados com as colisões, mas eles dão uma boa ideia de como essa pandemia pode estar reduzindo o número de atropelamentos nas estradas.
Apesar da ideia positiva que essa informação pode nos trazer e do atual contexto ser uma ótima oportunidade para estudarmos e refletirmos sobre o nosso impacto no planeta, não devemos nos iludir com falsas histórias de recuperação. Muito do que tem circulado a respeito das respostas, principalmente da fauna, em relação à ausência de seres humanos não são informações verdadeiras e precisamos, mais do que nunca, estar atentos aos fatos. Esse contexto de menor circulação de pessoas, ainda que temporário, pode nos mostrar algumas respostas de como impactamos o ambiente e podemos tirar dele ideias para reduzir o nosso impacto.
Mais do que comemorar os possíveis impactos positivos a curto prazo, deveríamos nos preocupar em como vamos reagir a essas informações e o que faremos com elas no futuro.