
Por Fernanda Zimmermann Teixeira
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da UFRGS
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Nos últimos dias, publicamos um artigo científico sobre a mortalidade de sapos-cururu (Rhinella gr. marina) na Estrada de Ferro Carajás, uma ferrovia de quase 900 km de extensão na Amazônia brasileira. Esse é o primeiro estudo publicado sobre a mortalidade de anfíbios em ferrovias no Brasil (e está disponível para download sem custo até o dia 2 de março).
O estudo foi realizado a partir dos dados coletados a pé durante o monitoramento de fauna exigido na fase de licenciamento da duplicação da ferrovia. Pode parecer uma distância muito grande para ser monitorada a pé, mas somente a pé é possível enxergar e registrar carcaças de animais pequenos, como as dos anfíbios (veja porque isso é importante nesse nosso artigo aqui).
Estimamos que morrem em torno de 10 mil sapos-cururu por ano nessa ferrovia, o que representa em torno de 11 fatalidades por quilômetro a cada ano. Para fazer essa estimativa, consideramos os registros de carcaças de sapos registradas na ferrovia, mas também a capacidade de detecção (ou eficiência do monitoramento) e o tempo de persistência das carcaças (para calcular quantas carcaças deixaram de ser registradas entre um monitoramento e outro). Até onde sabemos, esse é o primeiro estudo no mundo que estima a taxa de mortalidade em uma ferrovia considerando os erros de amostragem.
Além de estimar quantos sapos morrem na ferrovia, nesse estudo também identificamos padrões temporais e espaciais de mortalidade (quando e onde os sapos estão morrendo). Porém, a questão que exploramos que acho mais interessante é como os sapos morrem na ferrovia.
Será que os sapos são atropelados pelos trens?
Para ser atropelado pelo trem, o sapo precisa estar em cima do boleto do trilho (o “topo” do trilho) no momento em que o trem passa, pois é este o ponto de contato entre o trem e a ferrovia. Se isso acontecer, a carcaça do sapo atropelado vai ficar destruída ou esmagada, como na foto abaixo.
Porém, nesse monitoramento foram encontradas muitas carcaças de sapos inteiras entre os trilhos e, a partir de algumas evidências observadas nas carcaças, criamos algumas hipóteses (ainda a serem testadas) sobre como esses animais podem estar morrendo na ferrovia.
A primeira dessas hipóteses é da mortalidade por dessecação. Algumas das carcaças estavam intactas e ressecadas (veja a foto abaixo) e, considerando que a ferrovia pode atingir temperaturas de até 51ºC, não seria surpreendente que alguns anfíbios que não conseguissem atravessar a ferrovia, pelo efeito barreira dos trilhos, morressem ressecados, uma vez que esses animais fazem trocas gasosas pela pele e precisam mantê-la úmida. É bom lembrar que os trilhos têm 18 cm de altura e muitas vezes os sapos podem vagar longas distâncias sem conseguir atravessar os trilhos ou podem ficar presos entre.
Já a segunda hipótese é de barotrauma, também conhecido por blowout. O barotrauma é causado por mudanças bruscas na pressão do ar, que poderiam ser geradas por veículos em alta velocidade passando sobre esses animais. Essa hipótese foi levantada para rodovias e testada em laboratório em 2001, mas ainda precisamos estudar mais esse fenômeno para saber se de fato está ocorrendo. O barotrauma acaba forçando os órgãos internos para fora pela boca dos animais e algumas carcaças encontradas apresentavam exatamente esse padrão, como mostra a foto abaixo.
Nosso estudo traz novas informações sobre a mortalidade de anfíbios em ferrovias e mostra que os sapos podem ser mortos pela ferrovia e pelos trens, mas nem sempre estão sendo atropelados. Entender como os animais interagem com as infraestruturas e por quais mecanismos as ferrovias impactam é fundamental para desenvolvermos ideias criativas de como mitigar esses impactos.