
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Há alguns anos, fiquei chocado com uma revelação: não somos um "ser" humano, mas sim um "ecossistema" humano. Temos 37 trilhões de células humanas e 100 trilhões de células microbianas, predominantemente bactérias, mas também fungos, protistas e diversos outros habitantes do nosso "microbioma".
Esse ecossistema vem sendo vorazmente estudado, entre outros, por gigantes da indústria alimentícia, interessados em encontrar fórmulas para nutrir adequadamente nosso "ecossistema", pois há inúmeras evidências que dele dependemos para uma adequada saúde. Quem já não tomou um probiótico para recuperar-se de um piriri? E as referidas empresas obviamente têm um enorme intere$$e na nossa saúde!
Pois essa semana fui presenteado pelo meu professor, Vinícius Bastazini, com um artigo que relata a inusitada e, ao mesmo tempo, engenhosa ideia de um grupo de pesquisadores americano de investigar o microbioma de mamíferos não-humanos em busca de bactérias e as inúmeras substâncias químicas (essas são o verdadeiro tesouro) resultantes do seu metabolismo. Ao imaginarem o enorme calvário de autorizações necessárias para amostrar mamíferos silvestres, tiveram a brilhante ideia de amostrarem as inúmeras carcaças, fresquinhas, que encontravam todos os dias no trajeto de casa para o trabalho. Cervos, tatus, jaritatacas (ou zorrilhos), mão-peladas e gambás resultaram, até aqui, em mais de 4 mil tipos de bactérias diferentes e milhares de substâncias químicas com potenciais de aplicações, por exemplo, na promoção da saúde humana.
Difícil de acreditar? Ainda que as pesquisas recém tenham iniciado, já foram isoladas substâncias produzidas por bactérias coletadas do ouvido de um gambá, morto na estrada, que limitam a infecção fúngica das candidíases.
Nas palavras dos pesquisadores, significa tirar da tragédia algo proveitoso.