
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
andreaskindel@faunanews.com.br
Essa afirmação é repleta de lógica, afinal, para que ocorra uma colisão, são necessários um veículo e um animal e, portanto, a solução é simples: basta impedir que o animal acesse a estrada. De fato, há inúmeros exemplos do sucesso de cercas, com reduções de mortalidade geralmente acima de 60% e algumas vezes em torno de 90%. Sobretudo grandes mamíferos como cervídeos, ursos e outros carnívoros são beneficiados em locais como o Parque Nacional de Banff, no Canadá – o exemplo mais clássico de manejo desse conflito, no qual cercas foram implantadas, sem interrupção, ao longo de dezenas de quilômetros da rodovia de quatro pistas que cruza o parque.
Mas os cautelosos logo levantarão uma objeção:
– Ok, cercas resolvem a mortalidade mas criam um outro problema: o isolamento das populações. Este, por sua vez, pode resultar em perda de variabilidade genética e aumentar o risco de extinções locais.
E agora?
Mortalidade é pior do que isolamento
Estudos de simulação1 e 2 indicam que a mortalidade é mais severa do que o isolamento, reduzindo tanto o tamanho das populações quanto a sua variabilidade genética. Trata-se de um resultado bastante lógico, pois a forma mais rápida de perder variabilidade genética é perdendo indivíduos. Para não comprometer nenhum dos dois atributos de uma população animal, basta complementar o cercamento com passagens de fauna. Dessa forma, as cercas funcionam tanto como barreira para a mortalidade como condutoras para a travessia segura dos indivíduos.
Simples, não?
Planejamento e manutenção são um imperativo
Engana-se quem imagina que a simples implantação de cercas (associadas ou não a passagens de fauna) significa que serão efetivas, ou seja, cumprirão o objetivo primário de reduzir a mortalidade.
Particularmente no Brasil, principalmente quando próximo de aglomerados urbanos, o que aparenta ser uma solução efetiva e com instalação barata pode sair caro. É comum os departamentos de transportes relatarem o roubo das cercas menos de um mês após a sua implantação.
Além disso, por serem estruturas mais frágeis, exigem manutenção permanente para evitar que danos gerados por eventos climáticos, vandalismos ou a atividade de animais escavadores comprometam a função das cercas. A manutenção tem de ser frequente e contínua. É notório o caso da Estação Ecológica do Taim, no sudeste do Rio Grando do Sul, onde na década de 90 foi implantado um sistema de cercas associadas a passagens de fauna que, nos primeiros anos, teve alguma efetividade, reduzindo parcialmente a mortalidade dos alvos principais (ratões-do-banhado e capivaras)3. Contudo, a falta de refinamento no planejamento da sua implantação e, sobretudo, de manutenção vem determinando a observação de trágicos números de mortalidade de fauna, com enormes riscos para os usuários da rodovia que transpõe a estação ecológica, como é frequentemente noticiado (assista, por exemplo, a matéria "Pelo menos um animal é atropelado por dia na Estação Ecológica do Taim, no Sul do RS", veiculada em 9 de novembro de 2015 pela RBS TV – RS)
Existem manuais de boas práticas de mitigação (infelizmente ainda não para o Brasil) com recomendações que deveriam fazer parte de qualquer iniciativa dessa natureza: 1) identificar claramente as espécies ou grupos alvo dessa medida de mitigação – isso ajuda a definição de altura e malha da cerca, por exemplo; 2) adotar mecanismos como mata-burros nas extremidades dos trechos cercados impedindo que os animais acessem a rodovia e fiquem aprisionados entre as cercas – isso evita que o trecho se transforme em uma armadilha que leve a morte do indivíduo (ver foto abaixo); 3) como os mata-burros nunca são perfeitos, é importante adotar mecanismo, como rampas de escape, que permita que animais que eventualmente ingressaram no trecho cercado possam evadir.
Escolher a configuração de cercas para impedir o acesso a estrada e conduzir animais de grande porte como cervídeos, capivaras, antas e tamanduás para passagens de fauna é relativamente simples e já vêm sendo praticado em algumas rodovias do Brasil. Contudo, a fauna brasileira é muito rica em espécies de pequeno porte que são as vítimas mais comuns das nossas rodovias. Só para exemplificar, em um estudo que fizemos em cinco quilômetros da rodovia que margeia o Parque Estadual de Itapeva4 , no litoral gaúcho, estimamos 9 mil anfíbios mortos/ano/km. Isso mesmo, 9 mil!!! Considerando que anfíbios são o grupo de vertebrados mais ameaçado no Brasil, com muitos endemismos e espécies afetadas negativamente por rodovias, está mais do que na hora de adotarmos medidas para esse grupo. O problema é que medidas criativas como a apresentada no vídeo abaixo, precisam ser adaptadas para a realidade neotropical, afinal, as pererecas, um grupo extremamente diversificado da nossa fauna, com sua habilidade de subir em qualquer superfície, dificilmente seriam impedidas de acessar a estrada com os modelos de cerca hoje disponíveis.
Vídeo 1: implantação de um dos sistemas de cerca disponíveis para inibir o acesso de anfíbios e répteis.
Vídeo 2: um do sistemas de escape disponíveis para evitar que anfíbios e répteis fiquem aprisionados entre as cercas marginais da rodovia.
Está aí um desafio para quem tem uma veia empreendedora e interesse por inovação em tecnologias ambientais.
Resumindo
Na dúvida BOTA CERCA SIM! Mas pensa bem como e onde instalar para não desperdiçar dinheiro e, sobretudo, perder muitas vidas. E monitora o sucesso ou eventuais insucessos e suas razões para que, no próximo empreendimento, os mesmos erros não sejam cometidos.
Para saber mais
Peço desculpas para o leitor não acadêmico por recomendar obras em inglês, mas é o que temos, por enquanto.
1- Jackson, N. D., & Fahrig, L. (2011). Relative effects of road mortality and decreased connectivity on population genetic diversity. Biological Conservation, 144(12), 3143-3148.
2- Ascensão, F., Clevenger, A., Santos-Reis, M., Urbano, P., & Jackson, N. (2013). Wildlife–vehicle collision mitigation: Is partial fencing the answer? An agent-based model approach. Ecological Modelling, 257, 36-43.
3- Bager, A., & Fontoura, V. (2013). Evaluation of the effectiveness of a wildlife roadkill mitigation system in wetland habitat. Ecological Engineering, 53, 31-38.
4- Coelho, I. P., Teixeira, F. Z., Colombo, P., Coelho, A. V. P., & Kindel, A. (2012). Anuran road-kills neighboring a peri-urban reserve in the Atlantic Forest, Brazil. Journal of environmental management, 112, 17-26.