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Fauna e Estradas – Boas para uns, ruins para outros: estruturas de mitigação podem ser armadilhas?

04 de maio de 2017

Ilustração da hipótese de que estruturas de mitigação poderiam ser utilizadas por predadores para encontrarem suas presas

Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga e mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É doutoranda em Ecologia na mesma universidade, atuando no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF-UFRGS)
estradas@faunanews.com.br

 Ir atrás de alimento pode não ser uma tarefa tão simples para alguns animais silvestres. Imagine se um animal descobrisse que ele pode facilmente capturar suas presas em determinado lugar. O que você acha que ele faria? Por que ir atrás de alimento difícil de achar se um animal pode ficar esperando o alimento aparecer em um lugar estratégico?

Essa é uma questão levantada por alguns ecólogos de rodovias (hipótese da armadilha para presas, em inglês prey-trap hypothesis): será que predadores usam as estruturas de mitigação para encontrar suas presas mais facilmente? 

Ainda não se sabe ao certo se isso acontece ou não. Mas, imagine que passagens de fauna são instaladas em uma rodovia para permitirem que os animais atravessem em segurança de um lado a outro. Essas passagens estão localizadas em pontos fixos da estrada, ou seja, os animais que querem cruzar a estrada precisam usar estes pontos específicos. Com isso, pode ser que os predadores se beneficiem desse deslocamento preciso e utilizem-nos como lugares de alimentação. 

O capítulo 23 do livro Handbook of Road Ecology discute se essa estratégia é um mito ou pode mesmo acontecer. Eles apontam que ainda são necessários mais estudos sobre o tema, entretanto, já há pesquisas mostrando as duas possibilidades. Casos em que as estruturas de mitigação foram menos efetivas para as presas do que para os predadores e casos em que predadores e presas coocorriam nas passagens de fauna, mas as utilizavam em momentos diferentes do dia. Nenhum deles, no entanto, evidenciou se estes padrões de respostas são decorrentes de encontros predatórios.

Um artigo publicado na revista PlosOne testa essa hipótese em áreas de conservação de rinocerontes no Quênia. O artigo não fala sobre estruturas de mitigação em estradas, mas nas áreas estudadas existem cercas para assegurar que os rinocerontes não ultrapassem os limites das reservas. Como toda boa mitigação, ela deve permitir que outros animais possam andar livremente pela região sem ficarem isolados (já que são focadas na conservação dos rinocerontes). Assim, essas cercas possuem saídas específicas que permitem a passagem de outros animais. Os autores, então, instalaram câmeras nessas saídas de escape e testaram se predadores, como leões, utilizam-nas para predar outros animais. 

Eles encontraram que zebras, girafas e elefantes utilizam bastante essas saídas de escape para se deslocarem e que esse movimento é bastante previsível, pois acontece em horários bem definidos do dia. Se os predadores quisessem usar esse lugar para encontrar suas presas, seria bastante fácil saber e aprender em que horário elas estão lá. Entretanto, os autores não encontraram relação entre a localização das saídas e a localização de carcaças de presas encontradas (que eram bastante agregadas espacialmente, mas não eram próximas aos escapes das cercas). O que podemos concluir disso é que não há evidência nesse caso para a hipótese de que os predadores se beneficiam das estruturas de mitigação, mas pelo contrário, eles aparentemente predam os animais em áreas de vegetação mais densa ou com presença de corpos d’água. 

Mais estudos são necessários para aprimorarmos nosso conhecimento desse tema. As rodovias e suas estruturas de cruzamento poderiam ser pensadas para diminuir as chances de predadores tirarem vantagem do local. Mas não tenho certeza se é necessário evitar essa predação. Por enquanto, essa não é uma preocupação e só deve ser quando for demonstrado que há maior predação nas passagens do que fora delas. Aí sim, pode ser necessário intervir na relação predador-presa e pensar em melhores estratégias de mitigação. Precisamos de evidência para avaliar os casos.

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