
Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga e mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É doutoranda em Ecologia na mesma universidade, trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF-UFRGS).
estradas@faunanews.com.br
Você já pensou que as áreas adjacentes a estradas podem ser um dos únicos remanescentes de habitat em uma certa região? Imagine você viajando numa estrada que passa por uma paisagem que já foi inteiramente convertida em lavoura, por exemplo. As únicas áreas que ainda restam de vegetação nativa, neste caso, são as bordas da estrada. É até um pouco paradoxal, mas o mesmo empreendimento que converte habitat em asfalto e gera tantos impactos negativos a fauna e flora tem um ponto importante na conservação dos últimos redutos de habitat remanescentes.
Um trabalho realizado no Cerrado mostrou que as beiras de estradas mantêm pelo menos 70% das espécies de árvores e 72% dos arbustos encontrados em áreas protegidas. Os autores salientam que essas áreas podem estar contribuindo muito para a conservação da flora do Cerrado, já que esse bioma tem mais de 60% da sua área original destruída e menos de 4% protegida. Pensando apenas em área, os mais de 32 mil quilômetros de estradas do Cerrado teriam uma área acumulada de mais de 96.000 hectares de habitat remanescentes, tamanho muito superior a muitos parques nacionais da região.
Não estou dizendo que podemos substituir áreas protegidas por beiras de estradas. Claro que não! Mas que dar mais atenção a esses ambientes e pensar nas melhores formas de manejo para eles podem ser um ótimo caminho para ajudar na conservação da biodiversidade.
O trabalho que citei acima avaliou apenas a flora, mas podemos agregar nessa discussão também a fauna. Essas áreas podem servir de verdadeiros refúgios lineares para os animais e até mesmo conectar manchas de habitat. As plantas mantidas nessas áreas podem fornecer néctar e/ou pólen para os polinizadores e podemos com elas manter um dos principais serviços ecossistêmicos, a polinização. A polinização traz benefícios não só para os habitat locais, mas também para as áreas cultivadas que dependem desse serviço.
Você certamente já percebeu que muitas estradas têm suas bordas roçadas. Essa é uma estratégia de manejo muito frequente e tem pelo menos três objetivos: (1) melhorar a visibilidade e a consequente segurança dos motoristas; (2) fornecer espaços de refúgio para que os carros possam parar; e (3-) impedir a invasão de árvores e arbustos. Para atingir esses três objetivos não é necessário roçar a estrada inteira, com pontos mais críticos podendo ser selecionados para isso.
Uma estratégia chave de manejo das áreas de beira de estrada é manter plantas nativas. Esse planejamento pode não só melhorar as condições para a fauna, mas pode também reduzir os custos de manutenção e aumentar o visual estético da estrada. Sempre é mais agradável andar em uma estrada florida, não é mesmo?