
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
estradas@faunanews.com.br
Todos já observaram a carnificina em nossas estradas ou conhecem algumas das estatísticas dessa trágica realidade. A sensação inicial, talvez, seja de impotência diante do gigantismo do desafio. Superada essa primeira impressão e motivados para fazer algo, surgirá a indagação: por onde começar a reverter essa realidade? Quais devem ser as estradas ou segmentos de estradas a serem priorizados?
Não tenho dúvidas de que as estradas planejadas ou em operação que transpõem ou margeiam as unidades de conservação (UCs), como parques nacionais e estaduais, estações ecológicas e reservas biológicas, devem ser prioridade. As estradas (corredores de transporte) planejadas para transpor UCs em hipótese alguma deveriam ser autorizadas. As estradas já em operação deveriam ser alvo de avaliação rigorosa durante a concessão ou renovação da licença de operação, reconhecendo-se todas as alternativas possíveis de mitigação, incluindo descomissionamento (fechamento), readequação de rota ou todas as demais medidas necessárias para minimização da mortalidade e recuperação da conectividade.
É intolerável observarmos impassíveis o recorrente acúmulo de notícias sobre as estatísticas de mortalidade em rodovias de acesso ou que transpõem as nossas UCs. Sooretama talvez seja um dos casos mais emblemáticos. Se nada for feito, essa tragédia só se multiplicará, pois estamos, ano após ano, comemorando o crescimento da visitação das nossas UCs. É preocupante observar que essa realidade só é transformada quando a sociedade organizada judicializa a tomada de decisão. Decisões judiciais são morosas e onerosas (em recursos financeiros e vidas animais).
Não é nem um pouco razoável imaginar que os conflitos entre estradas e UCs possam ser resolvidos de uma hora para outra. Assim como espero que você não tenha interpretado que estou sugerindo que todas as estradas em UCs sejam fechadas, desviadas ou que sejam contempladas com ecodutos.
Avaliação, planejamento e compromisso com as metas traçadas serão sempre o melhor caminho para orientar e alcançar o que deve ser implantado em cada UC. Está mais do que na hora de os órgãos e empresas federais, estaduais e municipais de gestão das nossas estradas, juntamente com os órgãos ambientais, estabelecerem programas plurianuais de mitigação da mortalidade e recuperação da conectividade em UCs, à semelhança do que foi implantado em outros países.
Obviamente, esgotados os esforços administrativos de convencimento da necessidade de elaboração e implantação desses programas, a via judicial é totalmente legítima e os exemplos de sucesso dessa estratégia se acumulam. Sinceramente, não é a via que priorizo, mas não tenho receio nenhum em defender que a judicialização seja perseguida sempre que não houver disposição para avançar de outra forma.
Basta de carnificina nas nossas UCs! Planejamento ou judicialização já!