
Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
estradas@faunanews.com.br
Estradas estão entre as infraestruturas humanas mais dispersas pelo globo, determinando uma série de impactos sobre o ambiente e a biodiversidade: perda de habitat ou conversão de ambientes, mortalidade de fauna por colisões com veículos, poluição sonora, contaminação de cursos d’água e isolamento de populações silvestres, só para citar alguns. Pois acabo de descobrir um novo impacto indireto: mortalidade de fauna aprisionada em garrafas pet e outros resíduos lançados dos carros que trafegam pelas rodovias.
Embora a cena de pessoas jogando todo o tipo de embalagens pela janela do carro seja ainda absurdamente comum no Brasil, as evidências do impacto desse hábito para a fauna silvestre vêm de um país europeu, a Inglaterra. Auxiliado por voluntários, Graham Moates, pesquisador de uma importante organização conservacionista britânica (RSPB), vasculhou durante 18 meses embalagens nas margens de rodovias e revelou que uma em cada oito garrafas plásticas tem um pequeno vertebrado que morreu aprisionado em seu interior. Foram estimadas 3,2 milhões de mortes para o país inteiro. Na maioria das situações, a vítima foi esse simpático mamífero da foto.
Desconheço qualquer estudo dessa natureza feito no Brasil. Contudo, considerando que a malha viária brasileira é quatro vezes maior que a do Reino Unido (que reúne a Inglaterra e outros 3 países) e o triste cenário de descarte de resíduos das nossas rodovias, não é difícil imaginar que a magnitude dessa carnificina por aqui pode ser maior ainda.
Ainda que as principais vítimas observadas no estudo inglês tenham sido da fauna de pequeno porte, animais maiores também podem viver experiências aterradoras ao vasculharem latinhas, vidros e garrafas. Vídeos disponíveis no Yotube (ex. serpente, raposa e jaritataca ou zorrilho) são exemplos de uma tortura ou carnificina com dimensões ainda desconhecidas.
Esse é só mais um dos impactos do descarte e do acúmulo de embalagens na margem das estradas. Ele se soma aos riscos de acidentes e incêndios, proliferação de vetores com importância para a saúde pública (mosquitos, entre outros) e contaminação de solo e águas. O que fazer? As ações de sempre: entender claramente por que e onde se concentram esses comportamentos de descaso e desrespeito, dimensionar os seus impactos, sensibilizar, fiscalizar/punir, remediar (regularmente removendo os resíduos) e monitorar a efetividade destas ações. A legislação para coibir o mau hábito já existe. Tecnologia para evitar o comportamento inadequado também está disponível. Basta fazer uma busca por “lixeira de carro” no Google e uma infinidade de modelos surgirá. A substituição de garrafas plásticas por garrafas reutilizáveis é uma ideia mais inteligente ainda!
As concessionárias de rodovias podem ser ótimos laboratórios para testar o conjunto das ações enumeradas, mas não podem ser os únicos territórios de intervenção. As estradas públicas, que são a maioria, também precisam ser foco de programas dessa natureza.