
Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisadora colaborada do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
estradas@faunanews.com.br
Animais arborícolas são aqueles que vivem e passam grande parte do tempo nas árvores. O desmatamento e o isolamento de áreas florestadas, que ameaça a vida desses animais, são os impactos causados pelas estradas normalmente associados a eles. Mas e os atropelamentos? Será que esses animais também cruzam as estradas?
A resposta é sim. As estradas estão por todas as partes. E mesmo os animais que vivem quase exclusivamente nas árvores, às vezes precisam andar pelo chão para chegar em outras áreas já que a vegetação não é mais tão contínua. Uma questão levantada por um trabalho com atropelamentos de ouriço-preto no estado do Espírito Santo me fez pensar sobre isso: será que não estamos subestimando o impacto dos atropelamentos para espécies arborícolas?
O trabalho agregou dados de três regiões no estado do Espírito Santo, onde as estradas ES-060, BR-101, BR-262 cruzam grandes corredores verdes (o Corredor Costeiro Jucu-Setiba-Benevente, o Bloco Linhares-Sooretama e o Parque Estadual Pedra Azul). Além dos 15 ouriços-pretos registrados, o trabalho traz dados de atropelamentos de preguiça, macacos-prego, bugios, saguis e outras espécies de ouriços. Todas arborícolas.
Registros assim indicam que os animais arborícolas, eventualmente, podem sim cruzar as estradas e serem atropelados. Sabemos que o impacto dos atropelamentos já é subestimado de uma maneira geral, quando consideramos todos os grupos que podem sofrer com ele. É preciso chamar a atenção de que animais que não esperamos encontrar cruzando as estradas, por causa dos seus hábitos, talvez estejam sofrendo com elas.
Esse assunto me fez lembrar de um projeto que desenvolvemos em 2015 no Parque Nacional dos Aparados da Serra e Parque Nacional da Serra Geral, ambos na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina. Lá, nós monitorávamos tanto os animais atropelados quanto o uso de passagens de fauna em uma estrada asfaltada que dá acesso a uma das grandes atrações dos parques, o cânion Fortaleza. As passagens eram tanto subterrâneas quanto pontes de dossel.
Para nossa surpresa, durante esse trabalho, registramos uma espécie de lagarto arborícola atropelado (Enyalius iheringii) e registramos duas espécies de roedores arborícolas da família Echimyidae usando as passagens de dossel (provavelmente Phyllomys sp. e Kannabateomys amblyonyx). Outro exemplo de que os animais arborícolas precisam sim de estruturas para atravessar as estradas com segurança é o projeto realizado com mico-leão-preto em Guareí (SP). Você pode conferir alguns vídeos por este link.
Talvez a aceleração da fragmentação e da perda de habitat faça com que cada vez mais os animais, que antes não desciam das árvores, comecem a descer para alcançar outras árvores. Muitas vezes, o isolamento dessas áreas se dá justamente pela construção de uma estrada. Assim, os atropelamentos se somam como mais uma ameaça às espécies arborícolas.