
Por Júlia Beduschi
Bióloga e mestranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trabalhando junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
estradas@faunanews.com.br
Os anfíbios são animais com ciclo de vida dependente de áreas conectadas de terra e água para alimentação, abrigo e reprodução. Possuem períodos de atividade bem marcados, normalmente ocorrendo na primavera e nas estações chuvosas. Nessas épocas, migram entre os seus locais de reprodução e, às vezes, acabam percorrendo longas distâncias. E adivinha só o que tem no meio do caminho?
Estradas, é claro!
Lógico que você pode pensar que todos os animais estão suscetíveis aos impactos das estradas e que eu poderia falar sobre cada um dos grupos. E com certeza estão! Contudo, impactos podem se dar de formas distintas para cada espécie e ocorrem com diferentes intensidades. Além disso, alguns grupos estão mais “protegidos” que outros, pois recebem maior visibilidade e mais atenção. Vou explicar onde quero chegar.
Os anfíbios são particularmente sensíveis às estradas. Eles são animais que não respondem ao fluxo de veículos, ou seja, o tráfego pode estar intenso que ainda assim atravessam mesmo. E, como são lentos, a morte é quase certa.
Porém, não é só o atropelamento que mata. Outro fator que deixa a probabilidade de sucesso de travessia baixa é o “blow out” (já discutido em artigo anterior): o carro não precisa nem colidir com o animal para mata-lo, pois a diferença de pressão causada quando o veículo passa em alta velocidade rompe os órgãos dos anfíbios. Mas tem mais…
Esses animais respiram pela pele, que é muito fina e altamente vascularizada. E o que acontece quando chegam no leito da rodovia? Podem morrer dessecados! (também já discutido aqui) Tudo isso que eu estou abordando é sobre mortalidade direta. Nem vou entrar no assunto do ruído das estradas, que fazem os anfíbios modificarem suas vocalizações.
Com tudo isso, as mortes de anfíbios são massivas. Um estudo no Canadá registrou 30 mil sapos atropelados em quatro anos em um trecho de 3,6 quilômetros. Dois outros trabalhos, um no Brasil e outro na Austrália, estimaram aproximadamente 10 mil mortes de anfíbios por quilômetro por ano! Mais recentemente, uma pesquisa no extremo sul do Brasil estimou mais de 100 mortes de indivíduos de espécies ameaçadas em seis meses, em um trecho de apenas 500 metros dentro de uma unidade de conservação (dados não publicados). Para piorar um pouquinho o quadro, os anfíbios são o grupo de vertebrados mais ameaçados globalmente, com 41% das espécies conhecidas classificadas em alguma categoria de risco de extinção.
O convenci que os anfíbios necessitam de atenção? Pois bem, o Brasil possui uma legislação que visa proteger o ambiente e, antes de qualquer empreendimento ser construído, é obrigatório (por enquanto) um estudo de impacto ambiental. Contudo, os monitoramentos de fauna atropelada adotados no âmbito do licenciamento ambiental utilizam métodos inadequados para a contabilização dos anfíbios, sendo este grupo altamente impactado, em declínio global e negligenciado pelo Estado não só no Brasil como no mundo.
Como mudar essa realidade? Primeiro, precisamos incorporar no licenciamento os impactos sobre o grupo. Uma vez que reconhecidos, são necessários usar e criar tecnologias que consigam mitigar esse impacto, pois as medidas de redução de impacto que existem são pensadas para mamíferos e não possuem a mesma efetividade para os anfíbios. Algumas tecnologias já existem e já tiveram sua efetividade comprovada. Um exemplo são as passagens de fauna inferiores específicas para sapos e pequenos vertebrados. Outras precisam ser criadas: já pensou em como fazer uma cerca para barrar as pererecas? Acredite, não é uma tarefa nada fácil.